quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A foto



A fila era gigantesca. O shopping lotado, o ar condicionado não dava conta do recado e aquela barba que causava uma coceira dos infernos. Não via a hora de encerrar o expediente e voltar para casa.
Pensava no quanto aquele dinheiro extra iria ajudar, no terceiro filho que estava para nascer e no rosto daquelas crianças emocionadas e assustadas ao mesmo tempo. Calçou novamente as botas e tomou o seu lugar. Esse era o seu trabalho extra há 11 anos, desde que engordara pela primeira vez. Dali para frente, seu emprego de Papai Noel foi garantido.
Uns vinham com o pai, sempre apressado. A maioria com a mãe, sempre preocupada com a foto e muito poucos vinham como aquele menino de uns 14 anos, sozinho.
- Oi,vou sentar no seu colo não tá! Tô grande e sei que você não existe.
- Tudo bem, mas então por quê veio? Por quê enfrentou essa fila imensa?
- É que eu queria te falar uma coisa. Uma parada aí que tá rolando comigo.
- Pois então diga.
- Cara, sonhei com você! Pronto falei! Eu sonhei com o Papai Noel e agora tô aqui te contando esse mico, veio! Pode isso?
- Claro que pode? Tanto pode que aconteceu. Mas me conte, o que foi que você sonhou?
- Brow, eu sonhei que você era meu pai.
- Mas isso é comum, muitas crianças sonham que eu sou o papai ou que o papai sou eu. É porque os pais compram os presentes e eu entrego.
- Veio, cê num tá entendendo, eu num tenho pai não! De onde foi que eu tirei essa doideira de sonhar com você? Já imaginou se a minha turma descobre que eu tô aqui, eu tô ruim na fita pra sempre! To fora do bando, entendeu agora? Só vim aqui te contar porque achei sinistro demais. Mas já tô vazando...
- Não, relaxa, já que você chegou aqui, vamos, pelo menos, tirar uma foto.
 Nervoso, com as mãos trêmulas, aquele menino sentou no colo do pseudo-velhinho e  o abraçou com toda sua vontade. Tão emocionado quanto o menino, o homem correspondeu de imediato. Ficaram assim abraçados por algum tempo até que finalmente alguém chamou para a foto.
Na foto, dois pares de olhos inundados de emoção eternizavam um momento único na vida daquelas duas pessoas. Nunca mais se cruzaram e nem sequer perguntaram o nome um do outro. Mas levaram para sempre a imagem de alguém que fez um dia especial em suas histórias. 
Leila Rodrigues

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Pena




Pena não ter tido tempo de dizer adeus
Pena ter feito você chorar
Pena ter perdido aquele trem e junto com ele o que teríamos de história

Pena não ter tido coragem
Pena não ter dito a verdade
Pena ter buscado em outros cantos o seu verdadeiro encanto

Pena ter ficado tão quieto
Pena não seguir meu coração
Pena nunca ter voltado pra te pedir perdão

Pena não ter feito das minhas penas, um bom motivo para mudar
Pena não ter tido coragem de voar
Que pena!


Leila Rodrigues

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Entre frutas e algo mais






Em cada banca uma cor diferente, um sabor diferente! Era assim que ela enxergava aquele mercado de hortifrúti. Para ela, a hora de escolher, cuidadosamente, o alimento da semana é um momento único! Um ritual que ela cumpre, religiosamente, toda sexta-feira bem cedinho.
Gosta de tocar as frutas, de sentir a textura, de observar o brilho e cor de cada uma. E também gosta de cheirá-las.  Ah! O cheiro! Cada fruta, cada folha, cada legume, um deleite. Ela para e vagarosamente sente o cheiro de todas que agrada. A maçã, o abacaxi, a manga, o caju, como cheiram maravilhosamente bem! As folhas, manjericão, couve, hortelã, em cada uma, um perfume à parte.
Ela sempre soube fazer daquela obrigação ingênua um momento especial. O faz com prazer! Cheirar, sentir, tocar e escolher.  Pensa na semana, nos pratos, na preparação, na boca das pessoas ao comer, no olhar, depois de saborear, que dá a nota final e verdadeira ao prato. Todos esses fatores devem ser lembrados e considerados na hora de escolher os alimentos. Ela, carinhosamente chama esse ritual de colheita seca, uma vez que não pode apanhar suas frutas, folhas e legumes diretamente da terra úmida de uma horta fresca.
No auge da sua maturidade, ela desfila entre uma banca e outra de frutas e leguminosas, como uma Noniforte, uma verdadeira deusa. Simpática, radiante de vida, ela cumprimenta a todos enquanto faz as suas escolhas. Questiona, pergunta o preço, negocia, conversa, conta um caso. Enfim, faz questão de tomar parte daquele ambiente tão simples e tão especial. São pessoas que hoje já conhece, já sabe a história, já divide muito mais que um sorriso de bom dia. 
Do lado de lá do balcão, os vendedores apreciam aquela mulher tão cheia de vigor. Tão cheia de energia, de vitalidade!  Não é difícil para quem a observa, imaginar que sua alma tem o mesmo colorido das frutas e o seu cheiro, a mesma intensidade de um manjericão fresco. Já não é jovem, mas mantém uma beleza de quem não tem medo do tempo.
Ela, ocupada com o momento, nem percebe o quanto a sua presença é capaz de modificar todo o ambiente. Tem muitas outras coisas mais importantes na cabeça do que a preocupação de agradar ou não. Simplesmente vai. Deixando pelo caminho, um rastro de encantamento muito diferente de todas as outras mulheres daquele lugar.

Leila Rodrigues

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ser em extinção




Numa sociedade em que a competição é cada dia mais acirrada, o mercado cada vez mais exigente e a concorrência cada dia mais inteligente, é preciso saber tudo de tudo. Se ontem bastava ser bom, hoje é preciso ser ótimo. É preciso se manter à frente das exigências da sua área de atuação. O básico virou banal. O complexo de ontem é o basicão de hoje e démodé de amanhã.
Tudo isso é fato. Temos que buscar formas de sobreviver nesta selva. O lado B de tudo isso é que esta busca desenfreada pelo sucesso ultrapassa os limites da sanidade. Onde é que está escrito que precisamos ser bons em tudo? 
Tenho visto pessoas fazendo um esforço sobre-humano para serem bons pais, bons filhos, bons amantes, excelentes profissionais e ainda levar uma vida saudável. E ainda correm daqui e dali para estarem em tudo e participarem de tudo.
 A palavra networking subiu à cabeça das pessoas. O que vemos são verdadeiros show-mans e show- girls. Atitudes premeditadas e comedidas, que não passam de um plano para chegar ao podium. Até os bons-dias são premeditados! Encontros e contatos são minuciosamente arquitetados. Elogios são distribuídos como fichas de entrada em um mundo melhor. Tudo faz parte da conquista do troféu de bem-sucedido! 
Onde estão as pessoas normais? Aquelas que têm a grandeza de dizerem que não sabem fazer algo, que perderam alguma coisa ou que se deram mal. Onde está você, ser em extinção?! 
Procura-se alguém que possa compartilhar verdades e não apenas vantagens. Procura-se por pessoas que saibam rir e chorar, perder e ganhar. Procura-se por gente que se machuca, que se esfola, que está na fila, que pede ajuda. Procura-se pessoas, não um case de sucesso. 
Ando correndo de quem tá pronto, inteiro, formado. Tenho pena dessas feras, perfeitos, acima de qualquer suspeita. Pessoas impecáveis, super-hiper-mega organizadas e extremamente bem sucedidas me causam pânico. Tenho medo de pegar a doença da perfeição e nunca mais ser eu mesma. 
Mulheres perfeitas à base de fluoxetina. Homens bem-sucedidos escravos de um comprimido azul. E ninguém toca no assunto do que não deu certo. Fazem-se caras e bocas, sorrisos e poses. Tudo isso para disfarçar que, por trás dos holofotes, somos todos iguais! 

Leila Rodrigues
Publicado no Jornal Agora - Divinópolis MG em 15/11/2011

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Alígero




Chegaste
E por um instante achei que seria para sempre
Quis prender-te ali,
não em mim, mas àquele momento
E imaginei que assim,
o momento pudesse se perpetuar

Entreguei-me
E entreguei tudo que em mim havia
para que você quisesse ficar
E na entrega interrompi a sua busca
Podei-te do meu mistério
E provei do seu refluxo

Fechei os meus olhos
Para não ver a saída
E assim permanecer na sua vida
Amando as suas migalhas deixadas no chão
E ainda assim fostes
Fostes, para nunca mais voltar!


Leila Rodrigues

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Outono




Que as folhas caem, eu sempre soube
Que elas seguem o vento, eu também sabia
Igual meus pensamentos
Talvez o que eu não soubesse ainda
Era que elas se permitiam secar
Perder a seiva, a cor, o viço, a maciez
Até se tornarem áridas, pálidas, completamente secas.
E vejo meu viço se indo
Sinto-me secando aos poucos
A pele, as lágrimas, o corpo, o desejo
Me tornei deserto
Sem seiva, sem viço, sem broto, sem flor
Difícil permitir
Mais difícil ainda lutar contra o curso dessa natureza
No jardim da minha existência, insisto em florescer
Busco água
Água viva, água de reviver
Mergulho na terra da minha história, minha trajetória
Abraço minhas raízes
Fecundo-me de esperanças
E me permito de novo
Florescer

Leila Rodrigues

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A culpa é da serpente


Desde criança aprendemos a colocar nome e sobrenome na culpa. Meu filho, com um ano e meio, quebrou o berço e foi capaz de dizer que a culpa foi do vento que "sofou" com muita força. Nem sabia falar, mas já sabia terceirizar a culpa. Temos, por convicção, as culpas prontas de mercado. A lista de culpados nem precisa ser divulgada, todos nós sabemos. O pior é que usamos e permitimos que a usem conosco.
No topo da lista, recebendo aplausos de todos, está o trânsito. Caótico, infernal, terrível... É assim que este herói nos salva de todos os atrasos da história. Dos simples aos mais complicados. Seguindo a lista vem o sistema. Ah! O sistema! Esse salva pessoas de demissão, esclarece atrasos e filas quilométricas e ainda camufla o péssimo atendimento. E ainda temos a operadora do celular! Essa nunca funciona quando não nos convém!
Observando o pacote culpa que o mercado oferece, percebo que nenhum dos itens da lista sabe falar. O fato é que a culpa não tem CPF. Já imaginou um dia, o Sr. Trânsito Cristóvão, solicitando um horário em rede nacional, para exercer seu direito de resposta? E o seu celular te dando uma bronca porque foi você que não quis atender a sua mulher? Seria hilário!
Vivemos a era da terceirização e a culpa não poderia ficar de fora. No trabalho, dispendem de longas e longas discussões para encontrar os culpados, enquanto o problema cresce como fermento à espera de um ser mais evoluído que o resolva. Nas salas de aula, a culpa ficou cíclica, pais, educadores, governo, merenda, dinheiro, pais, educadores, governo, merenda, dinheiro... E os filhos reinando absolutos sem limites e completamente sem noção. A culpa é da globalização, é da internet, é da igreja, é do horário de verão, é da queda do dólar, é da alta do dólar. Temos à disposição um cardápio completo de bons e consistentes culpados.
Mas, seguindo os fatos e o que a história me relata, volto nos primórdios da nossa civilização para entender onde tudo começou e chego à conclusão que a rainha mãe do reino dos culpados é mesmo a serpente. Se não fosse a serpente, que seduziu a Eva, que seduziu o Adão, nada disso aqui teria acontecido. Então, a culpa é da serpente!.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora -Divinópolis-MG em 01/11/2011

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Para Drummond



No meio do caminho tinha uma pedra
Aproveitei pra descansar
Sentei-me
Olhei para trás
Revi o caminho percorrido
Refiz a rota
Calculei os riscos
Respirei fundo
Continue a caminhar

E sigo a encontrar  outras pedras
Que me fazem parar
Que me fazem seguir
Ah se não fossem essas pedras!

Leila Rodrigues - com toda admiração e respeito a este grande Mestre.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A escolha




Levada pelo pensamento, como o vento leva a chuva, ela caminhava de volta para casa. Sempre à pressa, sempre o tempo. Contrariando o cotidiano, desta vez não era a janta que habitava seus pensamentos, nem o dever das crianças, nem o vazamento da pia. Quem a acompanhava pelo caminho era seu devaneio mais recente, uma nova oportunidade. Sim, uma oportunidade, essa dama encantada que habita nossos horizontes, havia beijado a sua face. Àquela altura de sua vida, uma oportunidade de começar de novo, de um jeito novo, em um novo lugar! Só de pensar nesta possibilidade, ela já se sentia embalada por este novo mundo. Ria sozinha, não conseguia parar de pensar, fazia mil planos na cabeça, sentia frio na barriga, tudo isso movida por esta janela que se abrira em sua vida.
A dúvida assolava-lhe a mente, de um lado a velha e costumeira vidinha de sempre, família, filhos, trabalho. Tudo tão encaixado para caber na agenda e na vida que até os problemas já lhe eram previsíveis. Não fosse a mesmice dos dias, não fosse a falta de emoção, diria que estava tudo tão perfeito em sua vida, tão arranjado, para quê mexer?
Do outro lado, feito criança na roda gigante, a oportunidade lhe convidava a largar tudo isso e experimentar começar tudo de novo. Quantas vezes ela não desejou, desesperadamente, uma oportunidade de recomeço? Quantas vezes, no auge da dificuldade e da dor, ela não quis uma chance dessa? E agora, que ela menos esperava, que ela já se havia acostumado com o que tinha, surge este pacote surpresa para dividir seu coração ao meio?!
Chegara a perder a fome, tamanha a dúvida. Silenciosamente, cultivava aquela dor de quem precisa decidir um caminho a seguir. A dor não era escolher o caminho e sim, deixar um caminho. O que doía não era o caminho a ser escolhido, mas o que fosse deixado para trás, seja ele qual fosse. Descobriu que estava mais presa aos seus do que imaginava.
Resolveu colocar tudo na balança. E se surpreendeu!  Pessoas pesam mais que propostas, saudades medem mais que a distância, liberdade pesa mais que comodidade e felicidade nem sempre combina com facilidade.
Rezou, pediu, pensou, calculou, chorou, sorriu e finalmente decidiu. Optou por ser feliz, achou este, o caminho mais adequado!


Leila Rodrigues 
publicado no Jornal Agora - Divinópolis MG em 25/10/2011

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Filhos do mesmo pai




Dois homens caminham
Um cheio de si
O outro cheio de outros
Um bem sucedido
O outro bem vivido
Um dono da verdade
O outro sempre em busca...

Dois homens seguem seus caminhos
Um todo precavido
O outro todo ouvido
Um vai se dar bem
O outro vai apenas se dar

Talvez eles se cruzem por aí
Filhos de um mesmo pai
Amamentados por  tantas mães
Um volta cheio de nada
E o outro cheio de vida
Um chega envolto  de brilho
O outro envolto de luz

Leila Rodrigues

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Quietude





Não há nada a fazer
A não ser esperar
Não há nada a executar
Entre tanto a se fazer
Pois é hora de se aquietar

O momento da tormenta
Não é de execução
É apenas de cautela
Aquietar mente, corpo e  coração

Como dói essa espera!
Como dói essa aflição!

Hora de entrega
À minha condição pequenina
Hora de colo
Hora de lucidez
Hora de não falar
Hora de ouvir o barulho do vento
Deixar que o tempo faça a tormenta passar

domingo, 9 de outubro de 2011

Intenso





Quero estar na sua história, como o sal está no mar.
Eu não quero ser presente, nem passado, nem futuro.
Quero ser atemporal
Quero ser conteúdo, matéria, movimento
Eu não quero ser o vento
Por mais frescor que lhe traga
Pois que quero impregnar-te
Do meu gosto e do meu toque
E fazer seu pensamento
Me querer a cada instante
Até me tornar constante!



Leila Rodrigues

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A busca

Encosto meus sonhos no canto da sala, guardo na gaveta os meus poemas e saio por a procura de mim. A procura de outro de mim. Talvez a procura de outra pessoa que possa habitar em mim e me fazer melhor.
Perder alguém não é simplesmente perder alguém e ponto final. Porque se perde o ponto. E ao perdemos o ponto, nos perdemos de nós mesmos. Muitas vezes nos perdemos muito mais de nós mesmos do que do outro que se foi.
Perdi você. E junto com você perdi a hora, perdi o sorriso, perdi o jeito... Perdi o caminho de volta para mim.
Andei, andei muito, perambulei por aí. Parei em esquinas tão longínquas, cruzei com pessoas tão diversas. Experimentei tudo que me prometia algum minuto de alívio para a minha dor. Tudo tudo. E nada! Toquei pessoas, beijei suas bocas, abracei seus corpos na ilusão de que fosse você. Bebi todas as fórmulas que prometiam me tirar a lucidez ainda que por alguns segundos, mas nada adiantou, quando eu acordava a dor acordava junto comigo novamente. E enquanto eu dormia, sabia que ela me vigiava incessantemente.
Vencido, prometi a mim mesmo que dali para frente você, dor interminável, seria a minha companheira. Passei a dialogar com você o tempo todo. Como um louco eu andava pela rua ao lado do meu inimigo invisível, visivelmente louco. Comecei a te mostrar o mundo, a te fazer perguntas e a esperar respostas. E as respostas eram sempre as mesmas. Um silêncio absoluto de quem já se havia ido há muito tempo. Nenhum eco, nenhum sinal, apenas aquele buraco imenso de silêncio me mostrando que a sua ida era real. E era para sempre.
Volto para casa. Aquela mesma casa empoeirada que eu deixei para ir em busca de nós dois. De mim ou de você. Àquela altura, qualquer um de nós dois que eu achasse estava bom para mim. Eu já havia perdido tudo mesmo. Voltei sem você e quase completamente sem mim. Sobrara-me tão pouco! Talvez apenas forças para voltar. Nada mais!
Ao entrar em casa, percebo meus sonhos no mesmo lugar. Meus pertences inertes à espera de mim para voltarem à vida. Minha velha xícara, meus chinelos gastos. Meu vaso de flor à beira da morte me pedindo um copo d'água, meu último brioche endurecido que eu não consegui comer. Meu cachorro cabisbaixo, magricelo e faminto ainda veio me cheirar. Olhei para aquilo tudo e comecei a chorar. Perdi você e eles me perderam.
Corri no meu quarto e abri a gaveta. Lá estavam eles, meus poemas empoeirados. Parados no tempo à espera de mim. Inertes, calados. Talvez tão doloridos quanto eu. Chorei molhando os papéis, deformando as palavras fui relendo cada um. Com as mãos trêmulas, pego de novo a caneta. Não sei por onde começar. Faltam-me palavras. Começo com uma qualquer...
Andei tão longe para me encontrar tão perto.

Leila Rodrigues


sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Olhar



 



Na mira dos meus olhos
Encontrei os seus
Perdi o foco
Do resto
Dos outros
Dos olhos que olhavam ao meu redor

Dali pra frente só vi você!


Leila Rodrigues

sábado, 24 de setembro de 2011

Futuro Calculado


Quando adolescente eu calculava meu futuro. Pensava, me imaginava lá na frente, fazia alguns planos e depois saia para o mundo. Não que os meus planos ficassem na gaveta, mas eles nunca me incomodaram a ponto de me sufocar. Eu era capaz de tê-los e viver os momentos bons de toda jovem. Sair, namorar, viajar, enfim, acho que, com leveza, fui construindo o que seria então, meu futuro.
Porém, na tentativa de dar conta de todos os "recados" que a vida me trouxe, fui me tornando uma pessoa mais metódica. Hora para isso, dia de aquilo. Claro, hoje até nossas crianças de 6 anos tem agenda para cumprir.  Faz parte do dia-a-dia de todos nós termos compromissos e obviamente agendá-los. Talvez o problema seja este mesmo "agenda".
O fato é que agendamos tão bem nossos dias, semanas, meses e anos que não paramos para observar alguns problemas graves que decorrem desse fato: O primeiro é que, enquanto estamos pensando no daqui a pouco, esquecemos o agora. Tomamos café da manhã, pensando em como será a manhã de trabalho; enquanto levamos o filho na escola, traçamos o caminho de volta e todos os lugares que temos que passar. Raramente estamos concentrados no momento presente. Fazemos as coisas tão mecanicamente, que não conseguimos mensurar o sabor das nossas atitudes.
Outro problema decorrente é que, qualquer anormalidade nesta agenda traçada em nossa cabeça, é capaz de arruinar com nossos dias ou noites. Temos paciência zero para sair do quadrado. O pior é que dizemos em alto e bom tom que adaptar-se às mudanças é a chave do sucesso. Como assim? Se não somos capazes de entender um desvio no trânsito ou um chuveiro que estraga dentro da nossa própria casa?
E nessa de planejarmos demais, ainda enxergo mais uma crueldade que fazemos conosco. Onde foram parar as surpresas da vida? Sumiram! Está tudo tão planejado que surpresas não existem mais. Encontros inesperados, aniversário surpresa, surpreender o parceiro ou a parceira com uma algo diferente?! Ah! Isso já ficou demodê!
Estamos ficando velhos? Sim, claro! Isso é um fato, todos nós estamos, até quem nasceu ontem. Mas acho que, enquanto gastamos uma energia gigantesca tentando retardar a velhice do corpo, avançamos na mesma proporção atraindo a velhice da alma.

Leila Rodrigues


Este texto foi publicado no dia 20/09, Jornal Agora (Divinópolis), o qual, passei a ser mais uma colaboradora. Meus textos são publicados toda terça-feira.
Obrigada à direção do jornal, pela oportunidade e a todos os leitores pela atenção às minhas palavras.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Faz parte

Hoje eu vou me recolher mais cedo
Vou recolher meus cacos e juntar-me num canto qualquer
Vou ocupar apenas o espaço de mim mesmo
Hoje lugar nenhum me coube
A paisagem saiu do foco
O vento soprou para o lado de lá

Hoje o meu lado sombra escureceu meu lado luz
Levou consigo o meu calor
Deixou em mim essa grande dor
Hoje eu devia ter pulado a página
Hoje eu quero sair ontem e só voltar amanhã

Leila Rodrigues


Queridos leitores, seguidores e amigos da blogsfera,

peço desculpas pela minha falta de visita a todos vocês. Prometo colocar minhas visitas em dia, assim que tiver condições. Optei por cumprir meu compromisso de postar. Obrigado àqueles que, mesmo não recebendo a minha visita em seus blogs, passaram por aqui.
Um abraço

Leila

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Uma declaração silenciosa de amor

É mania pura, mas ela só conseguia ir para a cama, depois de se certificar de que todos os filhos estavam, pelo menos, em seus quartos e de pijama. Ainda checava o gás, as janelas, a porta da geladeira e aí sim, ia para a cama. Sim, só para a cama, porque dormir para ela era muito difícil. Significava desligar e isso ela tinha muita dificuldade. Acho que tinha medo de desligar e depois não ligar mais, igual a máquina de lavar. Deve ser isso!
Já era tarde. A cidade dormia, todos dormiam. Inclusive ele (o marido) ali bem do seu lado. Dormia sossegadamente. Ela ouve o seu ronco que a acompanha há tantos anos. São tantos anos que já virou um soneto aos seus ouvidos. Olha para ele dormindo. Observa seu perfil, seus contornos. E no silêncio absoluto daquele quarto, sem que se tenha planejado dizer, palavras lhe surgem da alma:
- Eu continuo amando você! Sim, eu o amo. Você e todo o pacote. Amo o homem que conheci um dia e tudo mais que você adquiriu ou transformou ao longo desses anos. Amo as suas conquistas, suas evoluções e melhorias em tantos aspectos. Em contrapartida continuo odiando na mesma proporção os seus defeitos. Odeio tanto que acho que já virou amor.
 - Amo a sua diferença de mim, por mais que seja difícil conviver com ela. Amo as nossas "coisinhas" comuns, aquelas que guardamos só para nós dois. São palavras, gestos, jeitos, formas, enfim, atitudes tão nossas, tão únicas de nós dois que descrevê-las não justifica, uma vez que o mundo não as compreenderia como nós. Essas são as verdadeiras alianças da nossa união.
 - Assim dormindo você está tão diferente. Tranquilo! Sabe que eu continuo te achando bonito? Mesmo com menos cabelo, com mais barriga, com menos ou com mais qualquer coisa...
 - Eu poderia  te dizer tudo isso à luz do dia, olho no olho. Eu sei. Mas desta vez eu estou falando é para mim mesma. Digamos que, desta vez, eu quis dizer primeiro para mim, para então, depois, executar para você. Executar o meu amor por você, no dia a dia de nós dois.
 - Você continua aí dormindo. Morro de inveja desse seu sono! Penso se te acordo ou não? Penso em te acordar com meus beijos. Em passear as minhas mãos por você. Imagino uma sessão avassaladora do mais puro sexo, depois umas colheradas de creme de avelã, nossas risadas de sempre e dormir.  Imagino... Imagino... Imagino... Sinto que vou te dar trabalho!
... Olha o despertador e lembra que amanhã é quarta-feira. Decide então deixá-lo dormir. Se enrosca nele e dorme também.

Leila Rodrigues

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Solidão

Solidão não é chegar numa casa vazia.
É ninguém perguntar como foi a viagem
Solidão não é dormir sozinho
É dormir separados na mesma cama
Solidão não é falta de alguém
É o excesso de ninguém

Solidão é ter que pedir para ser ouvido
É ter que gritar para ser percebido
É ter que morrer para ser lembrado.

Solidão é estar rodeado de gente
E ainda assim chorar sozinho 
Solidão não é a falta de você
É ausência de mim

Leila Rodrigues

Acróstico - Ganhei de presente da amiga Regilene


L endo você fui
E nvolvendo-me na gostosa brincadeira
I nspirada na criança da sua alma cheia de alegria.
L i sobre a Leila escritora
A felicidade de cada um e li a sua felicidade...

R aízes narrando sua rica infância
O nde a felicidade era feita de simplicidade...
D entro de cinco minutos
R epassa a rotina e o tempo de se encontrar
I nformações de todo um cotidiano...
G ritando na alma
U m aprendiz querendo seguir como
E terna criança aprendendo por aí...
S egui lendo e PALAVRAS transbordaram dentro de mim



Homenagens não precisam, necessariamente de platéia, necessariamente de troféus, necessariamente de aplausos.
Homenagens  precisam apenas ser sinceras, vindas do fundo do coração!
E será o bastante para fazer um coração feliz!

Obrigada Regilene, pelo carinho, pela amizade, pelas belíssimas palavras!

Leila Rodrigues