domingo, 15 de setembro de 2013

Num canto qualquer





No canto da sala eles aguardam inertes. Calados, sozinhos. É no canto que colocamos tudo aquilo que não queremos ou que não queremos que nos incomode. Seja na sala, no quarto ou na vida. E o que diriam eles, os renegados habitantes desses cantos? Sob um ângulo completamente oposto ao nosso, eles enxergam tudo. E assistem calados a nossa pressa de viver. Lá onde as aranhas fazem teia, onde o vento parece não chegar, lá estão todos eles, parados a nos observar.

No canto estão os livros que prometemos ler e nunca encontramos tempo. No canto estão as memórias em fotos amareladas e versos intocados. No canto estão as cômodas e suas gigantescas gavetas que mais guardam histórias que roupas. A mala velha, o guarda-chuva, o criado mudo que de tão mudo esconde nossas  memórias. Transformam tudo em segredo! 

A velha poltrona que só serve de enfeite espera alguém com tempo para sentar e ver a vida passar em silêncio. Mas o silêncio é uma tormenta para quem tem pressa de chegar. Então ninguém sequer experimenta sentar. É como se fosse pecado parar. E a poltrona envelhece sozinha sem nenhuma história para contar.

Guarda-chuvas esperam calados a chuva cair.  E ela não cai! Quebrados, perdidos, enferrujados eles esperam calados o dia em que a chuva encharcar o chão e você finalmente se lembrará deles. E também se lembrará de que deveria ter consertado, deveria ter comprado um novo ou deveria ter cuidado antes de tê-lo deixado no canto da sala. 

Mas cantos são para isso! Para se deixar alguma coisa. E deixamos tantas coisas no canto! Amigos, parentes, pedaços de nós que não queremos tocar. Todos eles vão para o canto de nossas vidas e aguardam calados o dia em que a necessidade chegar. Quando visitaremos sem graça o canto escuro de nossas lembranças. 

Pena que algumas coisas tem prazo de validade implícito, não funcionam mais depois de muito tempo no canto. E nos pegamos tentando dar corda no relógio que já parou faz tempo. Tentando achar graça nas notícias do jornal de anos atrás. Tentando recuperar em minutos, as tantas horas mortas. 

E eu que fiquei tanto tempo no canto de sua vida. Inerte, parada esperando você precisar de mim. Silenciosamente observei você ir e cada dia mais se distanciar. Nem a chuva fez você voltar. Até que um dia eu descobri em outros cantos um novo encanto. 

E sabe aquele velho canto onde você me pôs um dia? Eu não estou mais lá.


Leila Rodrigues
Foto Vinícius Costa