quarta-feira, 25 de julho de 2012

Acaso ou destino?




Ele não chegou de trem, muito menos de avião. Simplesmente chegou. Apareceu por essas bandas. Ela não chegou de lugar nenhum. Nasceu e cresceu por aqui. Seu sonho era um dia chegar de algum lugar. Ele sempre sonhou que um dia encontraria o seu lugar.
Ele veio para trabalhar, subir na vida.  Ela colecionava perfumes, fazia yoga, terapia, academia e gostava de fotos.  Ele planejava ter um cachorro. Ela planejava ter filhos. Ele já não tinha mais os pais. Ela tinha cinco sobrinhos e quatro melhores amigas.  Ela procurava alguém que procurasse alguém também. Ele não procurava nada, tinha acabado de encontrar o emprego dos seus sonhos.
Um dia se cruzaram na rua. Nem se viram. No outro se cruzaram de novo, no mesmo lugar. No terceiro dia perceberam a coincidência e se olharam. Ela reparou que ele estava mal vestido. Ele imaginou como seriam seus peitos.
No quarto dia se cumprimentaram. Ela sorriu. Ele a fitou. Ela se envergonhou. Ele desvergonhou. No quinto dia foi feriado, não se viram. Ela ficou a pensar onde ele estaria. Ele ficou a pensar como ela estaria. Ela imaginou que estivesse com alguém. Ele imaginou que ela estivesse pelada.
A segunda-feira custou a chegar.  Ela aumentou o decote. Ele aumentou os olhos. Ela o achou mais baixinho. Ele achou um jeito de chegar. Falaram por cinco minutos. Dados básicos. Nome, onde trabalham, coincidências do horário, profissão... Justificaram que estavam atrasados e foram cada um para o seu lado. Ela detestou o tênis dele. Ele adorou a pinta no rosto dela. Ela imaginou quantos anos ele teria. Ele imaginou quantas noites eles teriam.
Chegou o dia seguinte, a mesma hora e o mesmo local. Ele não apareceu. Ela ficou sem graça. Ele jogava Xadrez com um amigo. Ela jogava fora a esperança. Ela ligou para as amigas. Ele ficou na esquina jogando conversa fora.
Passou a hora, passou o local e quase passou mesmo a esperança dela. Encontraram-se no fim da rua. Ela o achou mais bonito desta vez. Ele a achou mais interessante ainda. Combinaram de encontrar no dia seguinte.  Ela sonhou com o encontro. Ele encontrou os amigos.
Ele pediu um chope. Ela pediu licença para ir ao banheiro. Ela falava de si. Ele falava dela. Ele gostava quando ela sorria. Ela sorria quando ele gostava. Ele a achou meiga. Ela o achou forte. Ele quis ficar a sós. Ela quis ficar a dois. Ela sentiu frio, de nervoso. Ele sentiu calor, de nervoso. Ela sentiu que era a hora. Ele sentiu que passava da hora. Abraçaram-se como dois amantes, se beijaram como dois adolescentes, se despediram como duas crianças.
Hoje eles têm dois filhos, um cachorro, uma calopsita, um aquário, um rancho e muitos amigos.
...E vivem como um casal que se ama.

Leila Rodrigues
Imagem retirada da internet

domingo, 15 de julho de 2012

O tempo em nossas vidas



Olá pessoal,

Embora com pouco tempo para visitar a todos, agradeço os incentivos para continuar o conto Cinderela mineira. Devo apresentar o segundo daqui a alguns dias a todos. Foram os incentivos de todos vocês que me fizeram continuar. E é também por eles que hoje estou escrevendo semanalmente para o Jornal Agora Divinópolis – toda terça-feira e caminhando para mais uma revista que me procurou nesta semana. Obrigada mais vez a todos vocês que sempre foram os meus grandes incentivadores. Não poderia deixar de dividir esta conquista com vocês.
O tempo está ficando cada dia mais apertado, mas isso tem seu lado bom. Talvez seja exatamente por isso que eu escrevo tanto sobre o tempo.

Grande abraço a todos e boa leitura!

Leila Rodrigues

E enquanto o tempo passou, passaram tantas pessoas, tantas histórias. Passou o vento, a turbulência, a tormenta e o sol. Passou com o tempo a minha pressa de chegar. 
A linha de chegada que eu tracei lá atrás, já cruzei há muito tempo. Criei outras partidas e outras chegadas vieram. E foi nesse tempo, enquanto o tempo passava, que a minha história se fez e eu me tornei quem eu sou.
Um pouco mais reservado, o que não significa distante, mas posso dizer que hoje conheço e gosto mais da minha própria companhia. Um pouco mais cético, um pouco mais franco, um pouco mais educado e um pouco menos encantador. Um pouco mais a ponto de fazer escolhas e um pouco menos ao querer tudo do meu jeito. Um pouco mais ao respeitar as escolhas alheias e um pouco menos ao seguir os moldes que a sociedade nos impõe.
Hoje sou um pouco mais e um pouco menos de tudo aquilo que fervilhava dentro de mim. Meus extremos, antes sempre prontos para o ataque, hoje baixaram suas armas. Acho que se encurtaram, deve ser! Hoje chamo esta fase da minha vida de guerrilha. Um tempo em que eu travava uma guerra com qualquer coisa. Uma guerra contra o tempo, para dar tempo de tudo. Uma guerra contra minhas possibilidades, porque eu não tinha limites. Tudo parecia pequeno e pouco para mim e eu brigava por mais. Uma guerra contra o mundo que eu tentava consertar. Hoje sei que quem precisava de um conserto era só eu. 
O fato é que, decretar o fim desta guerra fez com que sobrasse um espaço enorme dentro da minha vida. Foi como se de repente, aquela casa apertada que mal me cabia, se transformasse em um grande salão.  Surgiram tempo, espaço e respiração. Espaço para ler, para conversar com um velho amigo na padaria, para gostar de fotografia e para apreciar um bom vinho. Para rir de mim mesmo no espelho enquanto escovo os dentes e para achar graça no rap que meu filho fez.
Depois que eu perdi a pressa, encontrei o encanto de ver o tempo chegar. O tempo de a chuva encharcar o meu jardim, o tempo das folhas secas no chão, o tempo dos brotos e o tempo de florescer. 
Alguns chamam isso de maturidade. Eu gosto desta palavra. Lembra fruta madura, com sabor intenso, ideal para saborear. Outros chamam de velhice mesmo, mas isso não me ofende. No fundo, o nome não tem a menor importância. Todas as minhas fases me pertencem e fazem parte de mim. A criança, o adolescente, o jovem, o guerrilheiro, o maduro e o velho. Sou todos, sou nenhum, sou cada um quando vier. 

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 02/07/2012
Imagens: textoscontextosereflexoes.blogspot.com – blog da amiga Luconi

terça-feira, 3 de julho de 2012

Cinderela mineira




Queridos amigos,

Gostaria de agradecer a todos pelas manifestações carinhosas no poema  “O começo do fim”, porém, não se trata da minha realidade. Fiz questão de repassar todas as mensagens para a pessoa que me inspirou o poema e ela manda agradecer a todos.
Hoje resolvi compartilhar com vocês um dos primeiros contos que eu escrevi e que já faz um bom tempo. Espero que gostem.
Abraços a todos

Leila Rodrigues


Ela tinha uma brasilidade nata. Morena, de cabelos escuros, olhos grandes e espertos, além de uma boca rasgada que ostentava um sorriso verdadeiro, nada tímido. Gostava da vida e a vida gostava dela, naturalmente.
Aquela moça nasceu e cresceu aqui, nesta cidade. Por aqui conhecia todos e todos a conheciam. Filha do Sr. Jorge do armazém, pessoa respeitadíssima na cidade, apesar da sua sisudez habitual. Sr. Jorge não era dado a sorrisos, ao contrário da filha que estampava um sorriso brejeiro e convidativo. 
Ela sempre ajudou o pai no estabelecimento, desde mocinha. Limpava, atendia o balcão e ajudava fechar o caixa. Rápida e sagaz, ela tinha sempre uma segunda opção caso faltasse a mercadoria solicitada pelo cliente. 
A melhor hora do dia era a hora da limpeza. Ela varria, jogava água, regava as plantas, mudava as coisas de lugar, enfim, passava deixando seu rastro em tudo que tocava. O trânsito nas mediações do armazém chegava a engarrafar, todos os rapazes passavam por ali para assistir àquele espetáculo. Uma função tão corriqueira e ao mesmo tempo tão sensual. A calçada sorria para as vassouradas dela. Ela era vitalidade pura. Limpava sorrindo, cantando, cumprimentando a todos que passavam. Seus brincos grandes, a cintura fina, os cabelos presos num rabo alto, lhe conferiam uma beleza singular. Sua disposição mostrava que após a faxina ela continuaria disposta a uma noite inteira de exercícios. Na mente dos rapazes, todos os exercícios possíveis e imagináveis de serem feitos a dois e na horizontal.
Filha única, de pais mais velhos, desistiu de ir para a cidade grande estudar para fazer companhia aos dois. Sentia falta de ter uma profissão interessante mas jamais lamuriava a sua escolha. Sabia que era amada por aqueles dois e que a sua paixão pela vida a recompensaria de alguma forma.
Deixava se apaixonar instantaneamente por um ou outro, mas nunca entregou seu coração completamente a nenhum deles. Apesar de entregar outras partes não menos interessantes. Ela arrancava dos rapazes um fervor inexplicável. Quando resolvida a desaguar seus desejos, ela escolhia o que mais quente lhe parecia. Tudo acontecia muito rapidamente, deixando nos pobres moços um desejo incontrolável de ser escolhido novamente.
Eram os dias mais felizes da vida simples daqueles moços. Felizes e tristes, porque nunca duravam. A cada encontro um início e um fim para que nenhum dos dois se sentisse na obrigação de continuar. Por mais que eles tentassem, ela não levava adiante. Deles, ela só queria mesmo aquele tempo de fogo queimando a pele, mais nada. O resto ela queria da vida.
Entre tantos pretendentes, um dia ela se encantou por um. Não porque era o mais bonito, o mais viril ou o mais rico. Na verdade ele não era nada demais. Era apenas um rapaz da cidade grande. E rapazes da cidade grande, significavam grandes possibilidades. Faltava um coração acelerado, fogo na pele, frio no estômago. Mas decidiu não dar ouvidos aos sussurros da alma e investir no caso.
Ele, uma pessoa que sempre viveu na cidade grande, entre milhares de outros garotos tentando encontrar o caminho de ser macho. Foi para o interior em busca de um mundo melhor. Mentira. Foi porque mandaram e nem queria ir. Fora apenas pela promoção do trabalho. Seu sonho era voltar para a cidade grande e se pudesse ser com uma mulher a tiracolo melhor ainda. Enxergou nela um verdadeiro troféu. Sabia que era vitalidade demais para ele, mas não podia perder a chance de voltar com aquele monumento, genuinamente brasileiro, como sua esposa.
Casaram-se e mudaram. Para tristeza do Sr. Jorge e da maioria dos rapazes da cidade, lá foi ela naquele carrão importado, ao lado daquele ser desbotado e sem graça, com cara de intelectual. 
 Limpou as gavetas do criado mudo e da alma, jogou tudo num saquinho de linho bordado o seu nome e foi-se. Na mala, entre camisolas de renda e forros de crochê, levava também a esperança de viver todos os sonhos guardados até então.
Para trás, Sr. Jorge e o armazém para sempre empoeirado, um sorriso desaparecido atrás do balcão e a saudade nos moços da cidade que perderam para sempre o sorriso largo, o olhar esperto e os beijos quentes da sua doce cinderela.


Leila Rodrigues
Imagens da Internet