domingo, 30 de junho de 2013

Novela mexicana





Novela  mexicana


Todo dia, tudo de novo. A grande luz desponta no horizonte e lá vamos nós, pequenos soldados, começar tudo outra vez. Levantar, trabalhar, estudar, se alimentar, conversar, discutir, caminhar, dirigir, escutar, falar, pagar, comprar, descansar (de vez em quando), amar, se divertir, dormir e novamente acordar. 

Os verbos não mudam muito. Só os dias é que são novos. E por isso, capazes de renovar em nós o ciclo do cotidiano. No fundo nossa vida nada mais é que um punhado de dias a nosso inteiro dispor. Páginas em branco que formarão a nossa história amanhã. 

O fato é que já nos acostumamos tanto com esses dias que não nos surpreende mais. Temos tanta certeza de que amanhã o sol vai nascer que acabamos deixando muitas coisas para amanhã. Mesmo sabendo que não temos nenhuma garantia de estarmos vivos amanhã. Viramos a folha do hoje quase em branco a espera de um amanhã mais corajoso que nos faça começar aquilo que estamos protelando há muito tempo. 

Protelar, arrumar uma desculpa, um álibi que nos mantenha confortáveis na poltrona de vítima das circunstâncias por mais algum tempo. É isso que fazemos com os nossos dias. E fazemos muito bem! Fazemos tão bem que até nós mesmos acreditamos nas nossas próprias mentiras. Conseguimos convencer a nós mesmos que as nossas desculpas para não agir são verdades absolutas. E assim conseguimos transformar dias, semanas, meses e anos em nada.

Tal qual uma novela mexicana, remoemos velhos guardados que não vão nos acrescer em absolutamente nada; apegamo-nos em fatos que já se foram e ficamos agarrados ao passado como se este pudesse vir à tona e acontecer de novo. Páginas que não foram viradas, passados mal resolvidos que emperram nossas vidas de acontecerem.  Esquecemo-nos de que hoje o contexto é outro, o cenário é outro e nós não somos os mesmos de ontem. 

Não precisa que escrevamos um livro a cada dia com a nossa história, mas é preciso fazer nossos capítulos. Uma palavra, uma decisão, uma atitude e todo o resto pode ser completamente diferente. Não importa quanto nos resta de tempo para usufruir a vida, importa o que vamos fazer com este tempo.

Aquele curso interessante, a academia, a consulta no especialista, a viagem dos sonhos, a carreira, a visita àquele amigo querido, a aventura com o filho, o último livro que você ganhou... Enfim, a nossa lista de perdidos no esquecimento é gigantesca! Qual será o tamanho da fila de espera de nossas vidas?

Conheço pessoas idosas cheias de vigor e jovens vazios de viver. A idade cronológica não determina nada na intensidade da vida. É preciso muito mais que tempo para usufruir com dignidade a oportunidade de nossa existência. É preciso amar o fato de estar aqui, presente neste instante, neste lugar, nestas circunstâncias. 

É triste ver um jovem morrer, sempre imaginamos o quanto ele ainda teria para fazer nesta vida. Mas é mais triste ainda ver pessoas envelhecerem sem terem experimentado, sem terem sequer tentado, ou seja, sem terem realmente vivido.

Leila Rodrigues
Imagens da internet
Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 07/05/2013

domingo, 23 de junho de 2013

A multipessoa




Olá pessoal,

O Palavras ficou sem postagem por alguns dias, mas está de volta com um formato diferente. A partir da próxima postagem, reproduzirei aqui meus textos publicados em jornais e revistas,  para atender aos meus leitores que moram em regiões onde estes veículos não chegam.
As postagens continuam, a minha interação com vocês neste texto introdutório é que não vai acontecer. Porém, estou à disposição para conversar com vocês através do email leilamro1810@gmail.com. Acabo de assumir mais um compromisso com uma revista local, onde assino uma coluna sobre tecnologia e em consequência deste não tenho como participar ativamente das postagens.
Agradeço a todos, primeiramente por lerem os meus textos,  pela amizade, pelo aprendizado e pelo apoio ao Palavras. Continuarei visitando os blogs dos amigos, mesmo porque continuo leitora e apreciadora do trabalho de muitos.
Deixo vocês com o texto A multipessoa baseado no texto que foi publicado no Jornal Agora Divinópolis em 04/06/2013.
Abraços a todos
 Boa leitura!

Leila Rodrigues



A multipessoa



Tudo começou com o multiprocessador, um único aparelho que executava várias funções. Triturar, processar, picar e bater. Eu mesma não sosseguei enquanto não adquiri o meu. Tudo de bom, não fosse a falta de praticidade e aquele monte de pecinhas que se perdem com facilidade. Depois disso o "multi" tomou conta do mercado. Tudo virou multifuncional. Computador multitarefa; tv que é dvd, internet e aparelho de som e até colchão que, além da função básica, esquenta, massageia e trabalha a circulação.  E como não poderíamos ser diferentes, nós, pobres mortais humanos de um único chip, nos tornamos adeptos da multifunção. Fazemos duas, três coisas ao mesmo tempo o tempo todo! E achamos isso o máximo!

Enquanto dirige, fala no celular e conversa com quem está do lado. Enquanto acompanha o dever do filho, faz a lista de compras e ainda convida as amigas para a reunião do fim de semana. Participa de uma reunião e checa os e-mails ao mesmo tempo. Se prestarmos atenção, não conseguimos mais fazer uma coisa de cada vez. Conclusão: Fica tudo mal feito! 

Mas se tudo é urgente e necessário, se temos vários papéis a exercer (pais, filhos, profissionais, alunos, companheiros, esposa ou marido), como não fazer parte dessa legião de loucos que correm de um lado para o outro, desesperadamente, na tentativa de dar conta do recado? Como não ser uma multipessoa nos dias de hoje?

Certamente a receita que servirá para mim, não será a mesma que resolverá para você. Mas te digo que há que se haverem tarefas únicas e singulares de vez em quando. Tarefas que nos façam, por alguns minutos, esquecer todas as nossas outras funções e nos permita mergulhar de cabeça em uma coisa só, ainda que, por apenas alguns minutos uma vez por semana. 

Cantar, pintar, correr, caminhar, nadar, meditar, rezar, fotografar, bordar, cuidar do jardim, dançar ou qualquer outra atividade que te dê prazer e concentração pode funcionar melhor que pílulas e ainda trazem no pacote o benefício do prazer.  Desde que feita com satisfação, atenção e concentração. 

A multipessoa pode até existir, mas é preciso cuidar para que esta não se perca nas suas multiatribuições e termine no fundo do armário como o multiprocessador que só é usado quando aquela tia de Campinas vem visitar e insiste em fazer o bolo que só ela sabe a receita.

Leila Rodrigues