quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Jade

Desesperada com o excesso de mulheres que invadiam a vida do casal, através de revistas, internet, tv e demais meios que a mulherada arruma para ter cinco minutos da atenção masculina, ela resolveu dar um "up" na relação.
Primeiro procurou uma sex shop, queria uma roupa bem extravagante, coisa moderna mesmo, já que o objetivo era impressionar. Ela, que sempre vestiu manequim quarenta e dois, saiu da loja com um minúsculo conjunto que não chegava nem perto do trinta e seis e ainda com sete véus coloridos. Olha a intenção!!!
Mas antes precisava se preparar, baixou uma trilha sonora de dança do ventre na internet, se fechou no quarto e foi ensaiar. Ninguém da casa entendeu nada, ela trancada no quarto por mais de uma hora, mas tudo bem, ela estava andando meio estranha mesmo.
Foi ao salão e pediu uma reforma geral, queria sair de lá uma outra mulher. Sabe aqueles programas de tv de transformação? Pois bem, era aquilo mesmo que ela pretendia. Pintou, cortou e chapou o cabelo. Pintou as unhas de rosa chiclete. A manicure avisara que era a cor do momento. Retirou todos os pelos indesejados e ainda mais alguns que nem imaginava, tudo em nome da modernidade.
Comprou sais de banho, óleo de massagem, velas, champagne, morangos, bombons e uma lasanha de caixinha que seria o mais rápido e garantido para ser servido no jantar. Caprichou na maquiagem, muito lápis preto nos olhos, dentro, fora, em volta. Precisava parecer uma Jade.
Mandou as crianças para a casa da mãe, encheu a sala de pétalas de rosas e velas, desligou o celular e ficou a espera do marido. Assim que ele abrisse a porta, a surpresa começaria. O objetivo era nem chegar no quarto, a sala já estava devidamente equipada para que tudo acontecesse por alí mesmo.
Chega o bonitão. No primeiro rodopio que ela deu, o véu se enroscou na vela. Sintético puro, o fogo se alastrou. Desesperada ela saiu pulando feito uma cabrita tirando os outros seis véus em dois segundos. O marido, para ajudar, jogou o champagne no fogo que alastrou ainda mais. Com medo do marido se queimar, ela joga um balde d'água naquilo tudo...
Para quem queria uma noite diferente, pode-se dizer que conseguiu.
Muitas gargalhadas depois, os dois de pijama, comem os bombons e chegam juntos a uma mesma conclusão: Quem não nasceu para Jade, melhor manter o lenço quieto no pescoço!

Leila Rodrigues

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Enquanto todos dormem

Madrugada, terreno fértil dos pretendentes poetas. Destino certo dos transeuntes solitários. É aqui que os desejos afloram, deliberadamente! Na calada da noite, no escuro, na solidão dos acordados, desejos escusos se tornam realidade.
Ladrões invadem casas, enquanto cidadãos comuns e politicamente corretos invadem páginas. Todos à procura de algo que lhes falta: Sexo, eletrodomésticos ou companhia.
Poetas se fazem na madrugada, amores explodem em profusão. Vidas se refazem, listas infindas são feitas, refeitas ou desfeitas na madrugada. Aquela música que ninguém mais gosta, ouve-se solitariamente na madrugada. O programa medíocre da TV, aquele filme que ninguém viu, viram gratos companheiros nesta hora escura. Livros viram parte do corpo, um álibi perfeito para os que matam seu próprio sono.
Enquanto todos dormem e o silencio se faz, eu posso ser tudo aquilo que não suportei ser no clarão do dia. Há quem ataque geladeiras, quem ataque o próximo, quem ataque as letras. Artistas criam, idéias surgem, amores silenciosos se beijam no teclado. Roubam-se jóias, obras de arte, pessoas e idéias num simples copiar colar. Casais clandestinos lêem seus recados. Pesquisas secretas engarrafam o trânsito da rede. Doenças, viagens, hotéis, pessoas, histórias e companhias para as mais diversas aflições são pesquisadas na noite. Saudades são remoídas, perdas são choradas no silêncio.
Acordados por algo que não conseguimos identificar ou que, muitas vezes não queremos identificar, os "dessonados" procuram, desesperadamente, um sol na noite que justifique seus olhos abertos e sua mente em produção. Só quem vive este descompasso sabe mensurar sua dimensão.
Enquanto todos dormem, eu penso em todos, em tudo. Planejo, faço conta, remanejo e decido. Como que, desesperadamente,  necessitasse ocupar cada milésimo desse tempo.
E quando a noite acaba,  junto com ela acabam as minhas forças, as minhas tormentas, os meus devaneios. Sobramos eu e aquele cansaço enorme de quem acabou de viver intensamente algumas horas e precisa de um merecido descanso. Tarde demais! Alguém acendeu a grande luz do dia e isto significa que é hora de viver... Que pena! Justo agora que bateu um sono....

Leila Rodrigues

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Eu não sei deixar de ser assim

Nunca tinha imaginado a dificuldade de se deixar um vício. Até o dia em que eu precisei fazer isso. E olha que eu não sou um recuperando de drogas, eu não fumo, nem jogo, que são considerados o vícios mais difíceis de se  libertar. Eu sou um cidadão comum, como você e como qualquer outro. Eu trabalho, eu pago minhas contas, eu sou pai de família, tenho mulher e filhos, alguns amigos e no mais, tudo muito normal. Não estou me referindo àquelas vergonhas escancaradas que muitos têm de suportar em função de suas escolhas. Não, eu estou falando das nossas pequenas mediocridades, dos nossos atos escusos, aqueles que ninguém sabe e que o sujeito tem vergonha de contar até para si mesmo.

Escolhemos ser  e agir da maneira que queremos. Esta escolha pode ser por puro gosto, por conveniência ou por teimosia mesmo. Muito comum.  Até aí tudo bem, todo mundo, no fundo, faz o que quer. E eu não sou diferente.

Pois é, foi um ato desses que eu me dei conta que estava me fazendo muito mal; diminuto. E o pior, já fazia parte da minha rotina.  Simplesmente precisei tirá-lo da minha vida, para meu desencargo de consciência e porque “ele” me deixava envergonhado de mim. Então precisei parar e rever meus conceitos.

Foi aí que a coisa piorou. Como é difícil mudar! Descobri que eu não sabia fazer diferente. Descobri que mudar, (aquilo que falamos para o outro fazer com a maior facilidade), é dificílimo. Estou falando mudar de verdade! Não tirar férias! É porque a maioria tira umas feriazinhas de um mês e acha que mudou. De repente, quase sem perceber, você está lá de novo, no mesmo buraco. Falando as mesmas mentiras, comendo as mesmas porcarias, comprando mais do que pode, bebendo, jogando, dormindo, traindo, enfim, seja qual for o seu vício, o seu segredo, sei que você me entende. Como é difícil abandoná-los!

Somos cúmplices e amantes das nossas manias e comportamentos. Principalmente das manias erradas, incorretas. Odiamos e somos completamente dependentes delas. E isso só é percebido quando precisamos deixá-las por algum motivo. Não me interessa o seu vício ou o seu erro, como queira chamar e muito menos o motivo que esteja te levando a querer sair dele. O que eu quero te dizer, é que compartilho com você desta dificuldade.

Pensei em procurar uma psicóloga, mas o meu desconforto não me permitiu; então  me armei de coragem e me propus a não praticar mais o meu “ato”. Na primeira semana, tudo tranquilo, me parabenizei. Na segunda semana, me segurei para não recair. Na terceira me odiei e o mal humor tomou conta de mim. Na quarta semana, a um fio de recair,  me perguntei  se valeria a pena voltar atrás. E foi assim, entre idas e vindas, recaídas e levantadas que  resolvi continuar. Procurei me ocupar com coisas mais nobres e mais importantes toda vez que a vontade me assombrava. E assim os dias se passaram e hoje estou aqui, comemorando com você uma coisa tão simples para a humanidade e tão difícil para mim.

Ainda não posso dizer que estou curado. Pode ser que amanhã ou depois eu faça tudo de novo. Mas posso dizer que estou bastante satisfeito de ter conseguido. Acho que estou retomando as rédeas de mim mesmo. Me sinto bem  melhor... silenciosamente melhor.

Sou capaz de apostar que você ficou curioso! Um dia eu te conto.


Leila Rodrigues

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A soma do tempo

E eis que eles decidiram ficar juntos. E assim estavam até então. Quanto tempo se passou? Não importa. Quanto tempo se passou entre duas pessoas?  Quanto tempo os uniu e quanto os distanciou? 
Não se conta em dias o tempo de uma união. Conta-se o quanto cada um usufruiu do outro para ser feliz; o quanto, juntos, fizeram, viveram e cresceram. O número de filhos, as noites de paixão, os colos divididos, os choros de emoção. Soma-se o tempo em que as alegrias e tristezas foram partilhadas, sentidas, conquistadas. Soma-se o tempo em que os olhares falavam mais que as palavras e o riso explicava os sentidos.
Diminui-se o tempo que cada um caminhou em direção oposta. O tempo que usufruíram sozinhos suas vidas. Lutando para manterem suas identidades, acabaram se identificando de novo, com outras pessoas, outras paisagens, outros encantos. 
No medo da entrega se entregaram ao mundo e perderam o caminho de volta.
Contas que não se somam mais, listas separadas de interesses e sonhos isolados vão criando forças opostas. O ninho deixa de existir.
A casa ficou pequena. O espaço de um começou invadir o espaço do outro apenas por existir. O caminho mais curto é o  silêncio. O mais prático é a distância. E todo esse tempo entra na conta diminuindo. O que se sobra desse saldo? Um resto de amizade, um fundo de respeito, algum carinho talvez, quase fraternal. Um abismo de distância, olhares que não se cruzam, falas que não se encaixam num diálogo. 
Por que ficar se já não estão? Já estão "idos"  há tanto tempo que levar a mala será apenas protocolo. Um até logo e tudo bem. Sem brigas, sem cenário, sem clichês.
Um fim ético, silencioso e contido. Não menos doloroso que qualquer outro. O fim de duas pessoas que caminhavam juntas mas que, em algum momento de suas vidas descobriram caminhos diferentes... E a velha estrada se tornou impossível! Não ficou tempo nenhum pra sobreviverem. O saldo deu negativo. O estoque da paixão acabou. A adrenalina do desejo deu lugar  a letargia da comodidade. A soma do junto perdeu para o sozinho.
 O pacto acaba aqui? Depende. Nem sempre há forças para retomar o fio dessa meada...
Histórias assim nos pegam completamente de surpresa e nos fazem refletir. Assustam-nos pelo inesperado, pelo sofrimento que não conseguimos perceber com a convivência e que agora se fez atitude. No rosto de quem decidiu pelo fim, um misto de cansaço e alívio. Um sorriso que se traduz em liberdade. Cansadas, por enquanto, essas pessoas não querem nada além de um bom pijama, uma boa noite de sono e seus dias normais. É preciso reaprender o caminho de casa, o lugar sozinho na cama, o espaço novo para as coisas no armário e no coração...
Volto para mim e me pergunto quanto tempo tem que estamos juntos? Tenho vontade de correr até você. Neste momento a quantidade de tempo ficou irrelevante. Nos resta alguma coisa? Voce ainda está aí? Eu continuo aqui. Ainda há algo que possamos querer juntos? Posso esquentar as suas mãos... Vamos tomar um café?... Põe aquela música que era a nossa, lembra?... Se veste de nada, minha roupa favorita!... Olha que eu ainda posso ser difícil! ... O vizinho de baixo vai ouvir!... Nós ainda podemos...

Leila Rodrigues

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Giliard

Todos os dias ele escova seu maravilhoso cabelo comprido, fio reto, quase nos ombros. Escolhe,  entre todas as camisetas pretas do gaveta, a preta do dia; calça aquele bat-but comprado clandestinamente do rapaz da PM e vai para o trabalho.
Graças ao seu Deus Ozzy Osbourne, ele tinha conseguido o emprego na loja de discos. Sim, na galeria do Ouvidor, aquela última loja de discos de vinil.
Ele tem certeza absoluta que só conseguiu o emprego lá, devido ao seu biotipo, recém saído de uma revista de rock dos anos oitenta e ao seu apuradíssimo conhecimento do assunto Rock'n roll. Aliás, ele e o Erasmo (um ídolo), são as únicas pessoas que ainda falam rock'n roll até hoje.
Conheci Gil quando perambulava atras de um vinil do Rod Stuart para o meu irmão. Gil, prontamente me mostrou tudo que tinha, falou da trajetória do Rod, dos momentos memoráveis da carreira do cantor, enfim, me deu uma aula.
Saí da loja saciada. Certamente eu nunca mais voltaria alí, porque procurar vinil não era uma atividade corriqueira para mim. Mas Gil, que até então eu só conhecia o codinome, me inspirou a voltar.
Voltei, e quando estava na loja, ouço alguém chamá-lo de Giliard. Nao consegui conter e dei uma gargalhada. Você consegue imaginar alguém que é fã do AC/DC, com o nome de Giliard? Nem eu. Mas ele estava ali, na minha frente e eu tinha acabado de cometer essa gafe enorme ao rir do nome do rapaz. Me desculpei de imediato. E ganhei de presente o trocadilho bem humorado do Gil:
 - Minha mãe me deu este nome por amor a um ídolo dela, que não necessariamente tinha que ser o meu. Durante muitos anos carreguei-o comigo como se fosse um peso. Mas nome não faz destino. Nem toda Rosicleide é doméstica, nem todo Roberto é cantor, nem todo Sílvio é Santos. João pode ser  deputado, pagodeiro ou João ninguém. Eu sou Giliard de certidão, Gil pra evitar discussão e roqueiro de coração. Sacô?!

Leila Rodrigues