segunda-feira, 25 de abril de 2016

O vestido






Alguém pode dizer que é apenas um vestido. Mas ela defenderá dizendo que é mais que isso. É um vestido que foi além do seu propósito de vestir. Um vestido que trouxe história e fez história. Algo para se contar.
Ela andava cansada, muito cansada. Da luta, dos dias, do peso da responsabilidade. No meio da correria, um vestido se fez necessário para uma ocasião especial. Não pensou duas vezes, escolheu aquele que tinha confiança e encomendou o vestido. Confiava nele, no seu gosto apurado, na sua competência e na qualidade do seu trabalho. Entregou a tarefa nas mãos dele e seguiu em frente com sua vida atribulada. Não tinha tempo para “viajar" neste tipo de coisa. Até que gostava de moda, mas na fila de prioridades, muitas outras coisas tomavam a dianteira.
Até que chegou o dia de conhecer  a “encomenda”. Talvez tenha o sido o tom do azul vivo que coloriu a sua alma cinza. Ou talvez as rosas delicadamente bordadas em pedraria contornadas com um matiz impecável que a tenha feito se sentir no meio de um jardim. As nesgas do godê bem cortado, a cintura, o decote na medida certa ou seria a textura da seda? Ah deve ter sido tudo isso junto! O fato é que, quando ela subiu no tablado, amparada pelas costureiras, ela que nesta vida sempre amparou e cuidou dos outros, se olhou no espelho e chorou. Não eram simples lágrimas. Não era dor nem mágoa. Seu tempo de princesa havia se passado na névoa dos dias de luta. Não debutou,  não fez parte daquela roda de moças da sociedade que desfilaram no clube. Também não  casou na igreja e não usou coroa e véu. Ainda assim quis o destino que um dia ela caísse nas mãos de alguém que a vestiu de princesa. Sim, de princesa, como aquelas que um dia povoaram os seus sonhos de menina. 
E então ela vestiu! E com seu vestido azul bordado, ela se fez princesa por um dia. Sorriu deliberadamente enquanto rodopiou com seu vestido azul sobre a brisa leve de um entardecer tranquilo. Exatamente como uma princesa deve ser. 

Leila Rodrigues

Publicado na Revista Xeque Mate - Edição de fevereiro 2016


Olá pessoal,

Este texto é uma pequena homenagem ao meu grande amigo Pierre Vasconcelos. Um amigo de muitos anos que um dia resolveu fazer dos seus sonhos a sua profissão e se tornou este profissional apaixonado pelo que faz!
Pierre e sua equipe me deram a honra de ser sua cliente. E de viver todas as emoções que mencionei no texto. Em um tempo de correria, onde tudo é apressado e preciso, uma pausa e um vestido bordado a mão. Ah meu Deus, eu não mereço tanto!!!! Obrigada Pierre pela generosidade, pela amizade e por entender e interpretar tão bem meus desejos. Obrigada também à Jeniffer e Fernando por me permitirem fazer parte deste momento mágico da vida de vocês. Foi tudo lindo!

Grande abraço

Leila Rodrigues


Pierre Vasconcelos fazendo o que ele mais gosta... realizando sonhos.




Os noivos, Jeniffer e Fernando. Lindos!

domingo, 10 de abril de 2016

Por Luiza


Era para ser um domingo como outro qualquer, mas um convite inusitado me fez mudar a minha rotina e atravessar o centro da cidade às 06:30 da manhã daquele domingo. Luiza nasceria bem cedinho e eu fui convidada a assistir o parto. Eu já havia assistido outros partos, mas este é um convite que nunca recuso. É um privilégio participar desse momento mágico que é a chegada de um novo ser neste nosso mundo.
Família reunida, mamãe e papai aflitos e ao mesmo tempo felizes, despedidas  e selfies antes dos pais atravessarem para o lado proibido, a sala de cirurgia. Era o quarto bebê da família. Um ato de coragem e amor dos pais para os padrões do nosso país que não quer saber de família "grande". E pensar que antes as famílias tinham oito, dez filhos!
Ela chegou como chegam os bebês, chorando. E nós que disputávamos o espaço da minúscula salinha de "assistir parto" choramos de emoção com sua chegada. Mas eu, surpreendendo a mim mesma, chorei mais que o costumado choro de emoção.
Chorei de alegria por ter participado de um momento mágico como esse. Chorei quando vi naquele pequenino ser um livro em branco que começava a ser escrito. Enquanto eu observava Luiza ter seus primeiros contatos com este nosso mundo, recostei no sofá e deixei as minhas lágrimas rolarem soltas pelo meu rosto. Todos estavam ocupados demais com a pequena Luiza e eu podia curtir todos os sentimentos daquele momento do meu jeito. Era um choro bom! Um choro pela vida.
Chorei os filhos que não tive coragem de ter porque o trabalho e o resultado foram mais importantes naquele determinado momento da minha história. Chorei a saudade dos meus filhos pequenos necessitando dos meus cuidados. Chorei a fragilidade e a grandeza daquele bebê ainda tão recente e capaz de despertar em mim sentimentos guardados por tantos anos.
O pai de Luiza a trouxe para bem perto de nós e pude observar seu rostinho delicado pronto para viver mais uma história de amor.
Voltei para casa pensando e desejando as melhores e mais puras energias para aquela pequena. Inspirada em Luiza cheguei à conclusão de que eu não posso começar um livro novo, mas posso virar a página e escrever um novo capítulo. Sempre haverá algo a renascer dentro de nós!

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos
Imagem gentilmente cedida pela mãe de Luiza - Rita Viana

Olá pessoal,

essa doçura de bebê da foto é Luiza. A razão desta crônica. Não há nada mais apaziguador para os nossos corações apressados que ver um bebê dormir. É tão profundo e ao mesmo tempo tão leve que nos remete automaticamente à paz.   Que possamos sempre enxergar nos bebês a esperança de uma geração melhor que consequentemente construirá um mundo melhor.

Grande abraço, obrigada pela visita


Leila Rodrigues

sábado, 2 de abril de 2016

Lá vem ela


Lá vem ela descendo o morro, em cima do salto, começar tudo de novo. Lá vem ela causando discussões e interrogações por onde passa. Ela já chorou, já se descabelou e já armou o maior barraco. Depois dormiu e acordou pronta para começar tudo de novo. É! Ela vai começar do zero novamente. E ai de quem atravessar o seu caminho! Sim ela vai amar de novo, vai querer jogar tudo para o alto e vai chorar depois. Ninguém muda a natureza dos felinos, e ela é um deles. 
Lá vem ela com seus cabelos um dia curtos, no outro louros e no dia seguinte lisos como uma índia Guarani. É assim que ela aguenta as lutas. Ela se desfaz, se refaz e se satisfaz. As vezes acho que medo não existe no seu dicionário, depois descubro que ela vai com medo mesmo. Apenas enrola o medo no lenço colorido que envolve o seu pescoço e segue em frente.  Lá vem ela toda estilizada, com a bolsa que pegou da tia e transformou em nova. Ela tem esse poder. Transforma qualquer sapato em um numero que lhe sirva, transforma qualquer roupa em look e qualquer acessório em atração fatal. Ela é assim! Imprevisível. Única. 
Um dia um novo amor, no outro um novo emprego, uma nova casa, um novo amigo e o velho olhar esperto para tudo que a rodeia. Não pense que você a tem! Ela não é de ninguém! Ela não segue regras, nem as que ela mesma tenta impor. Ela não tem paradeiro nem destino certo. Ela é do mundo e eu sou alguém que vai passar a vida vendo-a perambular por aí.
Atrás da louca existe uma mulher séria e meiga. Alguém que a vida não poupou e que pagou caro pelas escolhas que fez. Alguém que escolheu viver sozinha, que escolheu seguir a sua própria cartilha com as referências que melhor lhe convieram.Se toda história tem o enredo certo, a dela certamente seria uma grande novela. Tudo seu é mais intenso, é mais bravo, mais forte, capaz de superar toda e qualquer expectativa. 
Ela tem pressa de ser feliz e escolheu tentar. Aquele coração cigano não vai se conformar tão cedo com uma vida comum. Ela vai sair por aí procurando a felicidade em algum canto de uma “have" lotada de gente. Um dia ela vai enxergar que a felicidade, esta que ela tanto bate a cabeça procurando, mora bem dentro do seu coração rebelde.
E eu continuarei aqui, na expectativa dos acontecimentos, amando-a e aprendendo com ela alguma coisa que nem ela sabe que me ensina. A vida é assim, um grande aprendizado!


Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos.
Imagem da internet - Juliette Binoche vive Rebecca no filme Mil vezes boa noite (2013)

Olá pessoal,

depois de alguns dias fora aqui estou de volta com meus textos. Temos tido dias tensos e intensos ultimamente. E nesses dias tensos e intensos tenho visto muitas pessoas começando de novo. Muitos deles não por opção, mas porque a situação lhes impõe que recomecem. É preciso ir, ainda que nem se saiba para onde! E foi pensando nisso que escrevi o texto acima. A todos os que estão recomeçando alguma coisa que consigam renovar suas energias e descobrir em cada canto um novo encanto.

Grande abraço


Leila Rodrigues