sábado, 31 de março de 2012

O Elixir da vida



Há alguns dias fui a uma festa de aniversário. Era o aniversário de uma pessoa querida que fez questão de reunir a família e os amigos para comemorarem junto com ele. O aniversariante, um jovem de 50 anos. Sim! É isto mesmo que você leu! O aniversariante é um jovem de 50 anos. 
Um jovem na sua disponibilidade e amor pela vida. Um jovem cheio de projetos, de sonhos e de algo a conquistar.  Uma pessoa que, tranquilamente, olha para a sua história com a certeza de que sempre amou cada segundo vivido. 
Pergunto a você, há algo mais rejuvenescedor do que isso? Onde está a velhice senão no corpo que não conseguiu resistir à devassidão do tempo? Onde está a juventude senão na disposição de viver? 
Neste tempo em que a ditadura da beleza impera em que a medicina e a tecnologia se juntam para tentar reverter, ou, no mínimo, retardar o envelhecimento humano formando um mercado gigantesco da autoestima ainda vejo pessoas caminhando na direção oposta. Bravo! 
Neste tempo em que tantos investem todos seus esforços para não deixar que o corpo anuncie o que o tempo já devastou, vejo outros tão ocupados com suas vidas, seus projetos e perspectivas que parecem que chegaram agora, tamanha a disposição e o frescor que se percebe.
São pessoas comuns como eu e você, mas que conseguiram amar a vida de tal forma que a vida se apaixonou por eles também. É visível este caso de amor entre os dois! E acredito que seja isso que os torna tão diferentes dos demais. Tão mais viçosos e confiantes. 
São pessoas que também controlam a pressão, a triglicérides e o colesterol. Pagam contas, vão à praia e torcem, veementemente, pelos seus times e pelos seus filhos. Pessoas que não têm preguiça nem vergonha de encarar o inglês, o computador, o dever do filho, a doença dos pais, o colo da esposa e até a terapia se for preciso. Pessoas que têm a coragem de rir de si mesmos, de contar suas perdas, de dizer que amam ou que odeiam. Pessoas que, como qualquer outro mortal, passaram por todas as etapas da vida, com a diferença que ainda carregam em si a infância, a juventude e a maturidade. E sabem a hora certa de ser cada uma delas. 
 Eles ainda fazem música, cerâmica, soltam papagaios, escrevem poesias e mergulham. Cumprimentam e conversam com a moça da padaria, com o médico que cuidou do pai ou com  o porteiro do prédio com a mesma cara boa que conversam com o presidente de uma multinacional. 
São pessoas assim que conquistam, criam adeptos, lideram, executam, usufruem e ganham a admiração e o respeito dos demais. Pessoas capazes de transformar a realidade da idade na realidade de viver.
É gratificante ter a honra e o prazer de ter pessoas assim à nossa volta, pois estes são alguns exemplos vivos, pelos quais podemos concluir que viver é rejuvenescedor! 

Leila Rodrigues

Meus caros,

 este texto é uma homenagem ao meu irmão Marcos Rodrigues que completou 50 anos. Uma pessoa que é tudo isso que eu tentei decifrar e muito mais. Uma pessoa, na qual eu sempre me inspirei!

Foto da obra Pescador de Ilusões da minha amiga, a ceramista Ma Ferreira, também uma pessoa que representa mito em minha vida! http://mdfbf.blogspot.com.br/

 


A vocês, Má Ferreira e Marcos, o meu amor e a minha admiração!

Abraços a todos

Leila

terça-feira, 27 de março de 2012

Cada cabeça uma sentença

Ela
A minha vontade era de esganar aquele homem ali mesmo, naquele momento! Pegar o pescoço dele com as minhas duas mãos e apertar como quem aperta um saco de leite tipo C que não serve para nada mesmo, até jorrar sangue por todos os buracos.  Mas me contive! Passei a língua nos lábios, lembrei que eu estava de batom vermelho. Sorri cinicamente para ele, olhei tão profundamente nos olhos dele que deu pra ver parte daquele cérebro inútil. Passei a mão nos meus cabelos, tirando-os da minha testa, dei dois passos para trás, dei meia volta e sai. Deixei aquele imbecil ali, sem fala, sem gesto, sem chão. À espera de uma resposta que nunca mais chegou. 
O ditado estava certo, o silêncio, às vezes, não é somente a melhor  resposta; o silêncio pode ser matador.


Ele
Pelos olhos dela eu percebi que ela queria me fuzilar. A raiva é um amor contido. Naquele instante tive a certeza de que ela ainda me amava. Seria questão de segundos para ela dizer que me amava. E então pularia no meu pescoço como uma leoa no cio. Os próximos segundos duraram uma eternidade. Quanto mais ela me olhava, mais confuso eu ficava. Nunca gostei dela me olhando daquele jeito. Parecia que estava decifrando um código morse. Um código que eu não escrevi, mas que ela leu. De repente ela passou a língua nos lábios e sorriu para mim. Quase enlouqueci tamanha a sensualidade! Ela passou a mão nos cabelos e deu dois passos para trás. Pensei  é agora! É uma leoa de verdade! Está se afastando para tomar impulso. Fechei os olhos para esperar o seu abraço. Ela nunca que chegava. Imaginei que ela estivesse tirando a roupa. Tremi de felicidade! Fez-se um silêncio profundo! Comecei a ficar preocupado. Será que ela se enrolou com o vestido? Resolvi abrir um olho só para ver o que estava acontecendo. Levei um susto daqueles! Ela havia sumido! Sumido, evaporado, desaparecido! Nunca mais a vi! 
Freud estava coberto de razão, vamos morrer sem entendê- las!

Leila Rodrigues

terça-feira, 20 de março de 2012

Herói do meu silêncio




Meus amigos queridos,


Em homenagem ao dia do blogueiro, meu primeiro texto aqui na blogsfera. Um texto que tem tudo a ver com a nossa realidade, com a blogsfera nossa de cada dia:

Gosto de São Paulo. Gosto de andar pelas ruas de São Paulo. Me sinto a pessoa mais comum do mundo, mas também me sinto parte dele, ainda que ínfima e isso é tudo de bom!
Ali, naquele diversidade louca, onde se tem pessoas de todos os tipos, de todos os jeitos, de todos os gostos, de todas as tribos, de todos os lugares; eu me perco e me encontro.
Me perco no meio de tanta gente, de tantas opções e me acho nas minhas escolhas, nas minhas atitudes e decisões.
Como seria um mundo sem diversidade? Já pensou, uma cidade só de adolescentes, outra só da terceira idade, um estado só de balzáquias, outro só de gays, que horror!
Cada um na sua, no seu... no seu telefone, no seu carro, nas suas máscaras, nos seus clubes, nas suas redes, nos seus grupos. Sim, nos seus grupos, nas suas comunidades.
Hoje existe comunidade para tudo, até para os sem interesse em se comunicar, pode? É comunidade das bordadeiras, dos abstênios, dos anônimos (de qualquer coisa), das mães das crianças portadoras de pancreatite, dos mecânicos, dos opaleiros... e por aí vai, sem falar nos tradicionais e conhecidíssimos grupos que já tomaram fama mundial.
Incrível como as pessoas vão se encontrando, vão se juntando, vão se formando. É como se buscassem os seus pares, os seus irmãos espalhados pelo mundo, qualquer um que tenha as mesmas opiniões, os mesmos interesses, para então curtirem juntos suas opções comuns.
Eles se acham, se entendem, se defendem, se formam. E uma vez formados eles nunca mais são um só. É como se juntos eles criassem uma força avassaladora, um poder que não se explica numa conta matemática onde um mais um são dois, porque um mais um, neste caso, são vinte e cinco.
Quantos pecados mortais antes guardados a sete chaves, hoje são discutidos, impressos, legalizados, defendidos! Quantas idéias e opiniões ocultas isoladas durante anos, hoje viraram leis, livros, cotidianos.
Herói do meu silêncio é você que puxou este cordão, que foi o primeiro da fila, que pagou o preço alto desta coragem. Você que mostrou sua cara, que escancarou seus valores, ou que, discretamente abriu sua boca e começou tudo.
Você é um herói. O herói do meu silêncio.

Leila Rodrigues

Herói do meu silêncio são todos vocês meus amigos da blogsfera que me mostraram que eu não estava só, que escrever não é coisa de louco, e se for, somos muitos loucos juntos e somos felizes com as nossas palavras. Vocês são todos especiais para mim!

Abraços a todos!

Leila

quarta-feira, 14 de março de 2012

Do lado de cá



Bateu a porta e saiu. Deixou-a sozinha, encolhida no canto do sofá, com seu vestido de flores desbotadas pelo dia-a-dia. Fez-se um grande silêncio. Um silêncio ensurdecedor. Ela contou os ladrilhos, mediu-os sem desviar os olhos um só minuto do chão. Ficou ali parada por um tempo que nunca soube medir.
Seus olhos não choraram, sua alma estava completamente seca, árida como a terra que ela deixou um dia para viver um grande amor. Tanta dedicação, tanto cuidado não foi suficiente. Não foi o bastante. Era preciso se mover. Olhou ao seu redor. A casa fria, os móveis velhos, simples, apenas os indispensáveis, assim como tudo que foi vivido naquela casa. Apenas o indispensável, o necessário. E o amor fecunda no dispensável, na sobra, no desnecessário e desmedido.
Experimentou pisar no chão. Parecia flutuar. Era como se o chão não quisesse receber o seu corpo. Na parede, seu Santo Expedito, empoeirado, não encontrou os seus olhos.
As paredes encardidas, cálidas, pareciam dizer que não foi só ele que se foi; a vida naquela casa se fora também. Não agora, não junto com ele, mas certamente se fora. Olhou para a parede e procurou respostas para as perguntas as quais a parede remetia. Sua cabeça ainda estava no timbre da porta batendo.
A dor de quem fica do lado de cá da porta, cheira a prisão. Gaiola vazia. Libertar-se fica mais difícil porque a sensação é que a liberdade é direito de quem foi e não de quem fica. E ela havia ficado. Ficado com os restos, com as sobras, com as histórias e memórias de uma relação que chegou ao fim.
Caminhou até a varanda e olhou o tempo lá fora. Fechou vagarosamente a janela e depois a cortina. Trancou a porta. Só lhe restara os móveis e as paredes pálidas. 
No intuito de arranjar imediatamente companhia, ela olhou tudo e pensou: Vamos meus caros, ficamos apenas eu e vocês. Sofá, parede, relógio, cômoda... Por hora vamos todos dormir, que a hora agora não é de fazer. É preciso dormir. É preciso esquecer o som da porta batendo. É preciso não fazer nada por algum tempo. Amanhã começaremos alguma coisa, qualquer coisa. Algo que faça o tempo passar, algo que traga vida à minha vida e a este lugar.
Olhou novamente para a parede encardida, sorriu e pronunciou as primeiras palavras depois que a porta bateu:
- Amanhã lindinha, eu te pinto de verde! Será um bom começo!

Leila Rodrigues
Publicado no Jornal Agora - Divinópolis MG em 06/03/2012

domingo, 4 de março de 2012

A volta









A placa indica o nome da minha cidade. 
Reconheço cada curva da estrada daqui pra frente. 
Meu coração entende e já muda o ritmo. 
Logo adiante a minha felicidade me alcança!
Vou chegar novamente
Um copo d’água fresquinha. Minha velha poltrona.
Um pedaço de melão bem doce e gelado. 
E um sorriso de satisfação se estampa no meu rosto!
Uma janela com vista para o horizonte.   
Uma árvore no meio da praça, uma grama verdinha. Uma nuvem que esconda o sol. 
E eu serei feliz por alguns bons minutos. Minutos suficientes para eu lavar a minha alma de uma semana inteira de sirenes, de horários, de viagens,  de faróis, de sinais...
Um olhar que sorri para mim. 
A mão no meu ombro. Um gesto de carinho. 
Um recado de saudade. Um abraço. 
E voltar para casa terá valido a pena! A minha escolha inteira terá valido a pena!
A música favorita. Uma pausa para o jornal. 
Um cochilo na sombra.  A violeta que floriu.
O bom dia do vizinho. 
E a vida que não é tão amarga assim!
Um banho  gostoso. A peça essencial.   
Os cabelos soltos. Os filhos no cinema. 
E o meu desejo adolescente renasce com a fúria de um vulcão!
A sua companhia. 
Um pão italiano, um azeite. 
Um queijo grana e um bom vinho.
E a minha mesa tem o melhor jantar do mundo! 
Nenhum prato poderá ter sabor melhor que este!

O prazer de voltar, só experimenta quem tem coragem de ir!

Leila Rodrigues