sábado, 10 de agosto de 2019

Entre o outono e a primavera


Ela conta os dias no calendário. Tem data marcada para tudo, agenda cheia, compromissos demais. E sempre sonha que a próxima primavera será tranquila.
Ela aprendeu todas as técnicas para ficar bem. Respirar, silenciar, meditar e conversar com o universo. Então chegou a segunda-feira e ela esqueceu tudo. O sono profundo se perdeu nas decisões que tinha que tomar e ela pulou cedo da cama para enfrentar a fauna toda; leões, mamutes, lobos e afins.
Decidida a fazer diferente ela insistiu. Tentou o plano A, o plano B, o plano C e o alfabeto todo. Na prática, planos e intenções esbarram na dura realidade dos dias comuns. E o resultado é uma exaustão de responsabilidades onde não dá para saber quem venceu ou perdeu. 
Ela sonhou para dois, mas sobrou sozinha na execução. Criou expectativas onde não existiam perspectivas. Ilusão. Foi quando descobriu que estava só. Doeu. Então chorou,  juntou seus cacos, se escondeu atrás da roupa bem cortada e continuou andando. Cansada, enquanto caminha não percebe que vai deixando cair o encanto. E assim, cada dia mais desencantada, tenta reerguer algo que provavelmente já está morto. 
Sua alegria de viver vem se perdendo na guerra diária dos dias comuns. Sem que ninguém perceba, seu brilho se apaga em prestações como as que ela paga todo mês. Fez mais que podia, fez mais que conseguia e acabou sentada no banco da praça esperando um trem que nunca passou.
Ela perdeu a vontade, perdeu a saudade e perdeu junto a esperança de que um dia as coisas sejam diferente. Acomodou-se e vem aprendendo a ser feliz por nada. Se nada mudou à sua volta, ela mudou o jeito de olhar para as mesmas coisas, todos os dias. 
Descobriu a companhia das flores, dos livros, dos bichos e das estrelas. Descobriu-se no silêncio e no escuro. Nunca mais se sentiu só. Nunca mais precisou de migalhas do amor alheio. 
Loucura é saber que ninguém percebeu a grande metamorfose que ela viveu. Loucura é saber que ela encontrou a sua essência. Loucura é entender que entre o outono e a primavera, cada um enfrenta seus invernos. São as nossas estações particulares, aquele tempo solitário e necessário para se chegar à estação das floradas.

Leila Rodrigues
Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos
Imagem: https://www.japaoemfoco.com/12-locais-para-apreciar-flores-de-cerejeira-no-brasil/


Olá pessoal,

Olha que interessante, você sabia que tem cerejeiras no Brasil? Tem e muitas. Clique no link acima e veja a matéria completa sobre os lugares no Brasil onde temos cerejeiras. E estamos na época das florada. Vale a pena conhecer! Lindo! 
Depois de algumas semanas sem postar, aqui estou com a crônica da semana. Às vezes me dou o direito de me recolher. Quando os dias estão intensos demais e a jornada pesada, escolho não escrever. A escrita não sabe mentir. Só é possível escrever o que temos dentro de nós. Sendo assim, hoje estou de volta, com as verdades que carrego dentro de mim.

Grande abraço


Leila Rodrigues


domingo, 21 de julho de 2019

Recordar é viver!




Imagine que você vai rever seus amigos da adolescência. Aqueles que mataram aula junto com você, que pularam o muro da escola ou que te ajudaram nas provas mais difíceis! Imagine que neste mesmo dia, você vai rever sua professora de português ou seu professor de matemática da 7a série. E vai rever também outros professores, bem como o médico que cuidou de você quando você caiu da bicicleta ou o seu primeiro ginecologista. Imagine também que neste mesmo dia, pessoas que não se viam a 20, 30 ou 40 anos terão a oportunidade de se encontrarem. Imagine que este encontro será num lugar lindo, com muito verde e numa tarde  de inverno ensolarada e maravilhosa!
Pois foi exatamente assim que aconteceu! Um encontro para ficar na história de nossas vidas!
Uma tarde de abraços, de emoções, de lembranças e de afetos.
Que alegria saber que aquele amigo de tantos anos está bem! Que tranquilidade saber que os anos passam para todos e que, a esta altura de nossas vidas, mais ou menos colágeno não faz tanta diferença assim.
Que bom saber que aquele amigo refez sua vida, que a amiga se curou e que aquele outro que saiu daqui um dia para nunca mais voltar, voltou e está muito bem, obrigado.
Rever pessoas queridas é fazer uma viagem na nossa própria história. E foi assim que viajamos em cada abraço, em cada sorriso, em cada minuto desse reencontro que vai ficar eternizado em cada um dos que participaram do Encontro do Arcoense Ausente e Amigos de Arcos Edição 2019.
Sem palavras para agradecer quem teve a ideia, quem organizou, quem colaborou de alguma forma para que tudo acontecesse.
Encerro nosso texto de hoje com as belíssimas palavras da Soraia Caetano, integrante da comissão organizadora do evento, que traduziu perfeitamente este dia: No Espaço Nordesta, presenciamos, vivemos e brindamos a amizade, pura e simplesmente! Abraços calorosos e demorados, a dissipar o tempo e a distância que nos separam de amigos e familiares; sorrisos acolhedores, lágrimas de muita emoção, histórias vividas, lembranças,  alimentaram nossas almas com o que há de mais belo: a vida vivida junto aos que amamos! O tempo, a distância? Ah, nada há que separe corações entrelaçados por vínculos tão profundos como a amizade sincera!
Com tudo isso reafirmamos o ditado,  recordar é viver! Viva!!!!!

Leila Rodrigues

Imagem: Eu e minha professora Dona Verinha


Olá pessoal,

Escolhi esta foto porque representa bem o que foi o encontro para mim. Dona Verinha faz parte da minha história. Revi amigos e revi pessoas que foram importantes pra mim em algum momento da minha existência. Saber que nos queremos bem e poder demonstrar esse afeto através de abraço, é reconfortante.
Assim foi o encontro para mim. Por mais momentos como este, or mais abraços calorosos, por mais presenças!


Grande abraço


Leila Rodrigues

sábado, 6 de julho de 2019

O Dia D



Aparentemente não havia nada errado, embora soubesse que alguma coisa não estava certa. Uma inquietude talvez, um aperto no coração, uma dificuldade de fitar as pessoas. Escondida entre seus afazeres, ela sabia que, em algum momento, ia ter que se encontrar consigo mesma. Adiou este encontro o quanto pôde. Encontrou-se com muitos na tentativa de se encontrar. Mas era com ela própria que a verdadeira discussão tinha que acontecer.
E foi justamente naquele dia, um dia comum como outro qualquer, sem nenhum planejamento ou intenção de que alguma coisa diferente acontecesse, que ela realizou o seu dia D.
Ela havia cuidado dos filhos, da casa, das plantas e de tudo que manda a “convenção das boas senhoras”. Diferentemente dos outros dias, sobrou com algumas migalhas de tempo para cuidar de si. Mas a falta de vaidade a fez mudar de rumo e preferiu ler um pouco. Um livro lhe faria bem.
Escolheu aquele que prometeu ler a tempos e que nunca achou hora para tal. Abriu em uma página qualquer e leu. Leu e releu. Parou, tomou um café e leu de novo. Fechou o livro e saiu com as palavras fervilhando-lhe a cabeça.
Quando deu por si, ela falava sozinha. Não, ela falava consigo mesma. Perguntava, respondia, discutia, insistia e exigia explicações de si mesma. A discussão se estendeu. Filosofou, confabulou, desentendeu e se entendeu de novo consigo mesma. Perdeu ali algum tempo? Não, ganhou ali a vida inteira. Saiu da conversa preparada e disposta a agir. Saiu pra vida com a certeza de que o amanhã pode ser a única oportunidade de fazer melhor, de fazer direito, de ser digna de ser chamada de filha do Universo.
Haveria cansaço como qualquer outra pessoa na sua situação, haveriam problemas como qualquer mortal tem e, com toda certeza, haveriam dias de plantar, de ceifar e de colher. Mas ela estava tão segura dos seus propósitos, das suas condições e das suas competências, que nada, absolutamente nada, conseguiria abalar sua convicção.
Já não era mais a mesma. Não era a mesma de ontem, nem a mesma de 20 anos atrás. Contudo, sabia que sua essência estava preservada, e isso era o bastante para adequar-se sem se perder. O amanhã confiava-lhe alguma surpresa e o ontem garantia-lhe a experiência necessária para viver o hoje com tranquilidade.
Disposta a começar um capítulo novo na sua história, ela foi à luta. Tudo que ela queria agora era viver! Naquela noite ela dormiu em paz!

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos
Imagem: https://asaventurasdeheleu.blogspot.com/2014/12/heleu-e-metamorfose-amorosa.html


Olá pessoal,

Muitas vezes sabemos tudo que precisa ser feito, mas nos falta a coragem para agir, nos falta o “insight” para começar. Este “insight" pode vir do nada, de um livro, de um filme, da palavra de um amigo… de qualquer lugar. Que nunca nos falte bons motivos para agir! Que nunca nos falte coragem para fazer a  transição do pensamento para a ação. E que possamos sempre comemorar a alegria de fazer acontecer! 

Grande abraço

Leila Rodrigues




sexta-feira, 14 de junho de 2019

Até que a vida nos separe



E foram felizes para sempre... Não fosse o fato de que o "para sempre" tinha hora para acabar. Prazo de validade implícito. Acordos feitos na ilusão dos holofotes que se perderam na calada dos dias frios e comuns. Então, para não correr mais o risco de me riscar toda como já fiz, vou acertar algumas arestas comigo, enquanto ainda estou no "feliz agora e por nada" como nos diz Martha Medeiros. Eu sei que daqui a pouco você vai aparecer na minha vida. Por isso mesmo e antes mesmo que você chegue eu preciso acertar algumas coisas comigo. É que já passaram tantos, e por falta de um acordo racional deu tudo errado. Então, para não correr o risco de ser tudo em vão, vou oficializar comigo e posteriormente com você.
Primeiramente vamos trocar o “prometa” pelo “comprometa”. Eu me comprometo e você se compromete, sem promessas, sem cobranças no final.
Se comprometa que “até que a morte nos separe” seja até que a vida separe nossos interesses, nossos objetivos, nossos planos juntos?  E eu me comprometo que “eterno” será enquanto houver brilho nos seus olhos e no meu. Se comprometa que na saúde, na doença, na pobreza e na riqueza sejam apenas situações que permearão nossas vidas e não nossos sentimentos? E eu me comprometo que na riqueza ou na pobreza, na saúde e na doença significará também quando o cartão de crédito estourar, quando um de nós dois for demitido ou quando nosso filho adoecer e precisarmos vender a casa para pagar o tratamento.
Se comprometa que “ser fiel” é ter respeito pela pessoa humana que te acompanha, respeito às suas escolhas, ao seu jeito à sua forma de ver o mundo. E eu me comprometo a retribuí-lo com a mesma fidelidade e respeito. Se comprometa que a cada café da manhã apressado que tomarmos juntos você não vai reparar que a minha pele não será a mesma de ontem? E eu me comprometo que haverá sempre uma surpresa, um mistério, um novo e desafiador encanto. Se comprometa a ser feliz e a jamais parar de lutar por isso. Se comprometa de que a sua felicidade dependerá de você e não de mim. E eu me comprometo a ser a pessoa mais feliz do mundo, por ter escolhido ser eu mesma e por ter você comigo!
E se a morte ou a sorte nos separar, que nós possamos dizer tranquilos que “foi eterno enquanto durou”.

Leila Rodrigues


Para quem vive o climax da paixão e acredita que a eternidade do amor se faz com promessas... Não prometa! Se comprometa!
Grande Abraço

Leila Rodrigues 


sábado, 8 de junho de 2019

De quem viaja muito





Da janela do carro eu vejo a paisagem. Tempo seco. Sofrido. Faz um pouco de frio. O suficiente para eu tirar o casaco do armário. Gostaria de ter nascido em algum lugar frio. Mas o sangue quente que corre em minhas veias combina mais com o calor dos trópicos. Vim nascer aqui no interior de Minas Gerais.
Voltando à viagem eu continuo viajando. Penso na prova de inglês do meu filho, penso no meu irmão, penso nos cachorros se estão se dando bem, penso na massa de biscoito que esqueci na geladeira e vai perder.
É assim a vida de quem viaja. Uma viagem só! A gente pensa no que ficou e pensa no que nos espera. Torço para que eles fiquem bem e invoco os anjos para tomarem conta de todos enquanto eu fui ali.
A mala quase se faz sozinha. O pijama, as meias, o livro que vai me fazer companhia. Do lado de lá o quarto que será a minha casa me espera. Cada dia é um diferente. Sempre sem identidade, à espera de qualquer um que chegar. Quartos de hotel são sempre beges. São sempre frios e silenciosos. Lá não tem cachorro, não tem filho gritando “manhêêê” e não tem meu marido pra me contar sobre a nova série. Lá também não tem minha cozinha, meus apetrechos culinários e muito menos a velha e boa poltrona onde leio meus livros.
Mas eu já aprendi a criar meu habitat em qualquer canto, basta eu chegar. Aproveito a estadia para usufruir da minha própria companhia. A vida ensina que é possível viver com muito pouco.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos
Imagem: https://amenteemaravilhosa.com.br/homesickness-saudade-de-casa/


Olá pessoal,

de viajar eu posso falar porque realmente viajo muito. Já viajei mais, já fiquei fora por mais tempo. Hoje meu caminho tem sido a Estrada real, entre Divinópolis e Juiz de Fora, além de São Paulo, quem sempre vou em função do trabalho.
Já sofri muito por causa das distâncias. Já chorei por não assistir a apresentação do meu filho, já perdi comemorações... mas um dia descobri que o que importa não é a quantidade de tempo que temos com quem amamos e sim, como usamos este tempo. 
Hoje valorizo este tempo. Não tem preço estar na minha casa e tomar meu café da manhã na minha cozinha. Não te preço estar com as pessoas que me são preciosas. 
E é por eles que eu vou e volto feliz!

Grande abraço

Leila Rodrigues



sábado, 25 de maio de 2019

Sem Resposta




Eu procurava respostas para as minhas tantas perguntas. Procurei nos livros, devorei cada um deles como se eles fossem um prato suculento de aprendizado. E ainda que eles (os livros) fossem realmente esse prato de conhecimento, minhas perguntas continuavam sem respostas.

Viajei, atravessei os portões do meu país e conheci outras culturas. Povos sábios, povos ricos, educados e civilizados, bem mais que eu. Eles me pareciam felizes, mas ainda assim aquela felicidade não respondia às minhas perguntas.

E então recorri à tecnologia, à psicologia, à terapia e todas as “ias” que surgiram ao meu redor. Confesso que respondi muitas das minhas perguntas, mas para meu desespero, outras tantas surgiram. E quanto mais eu procurava respostas, mais encontrava novas perguntas.

Perguntei aos astros, perguntei ao céu. Perguntei a Deus, aos anjos e a diversos Santos que eu sequer sabia quem foram. Debulhei meu terço e aguardei na janela as respostas que nunca chegaram.

Foi aí que eu percebi que quem me moveu até aqui, sempre foram minhas perguntas. As respostas estão no caminho e, mais cedo ou mais tarde, se apresentarão para cada um de nós. Todas as minhas perguntas haviam sido respondidas no dia certo e do jeito certo. Eu é que tive dificuldade de aceitar e compreender as respostas que não correspondiam às minhas expectativas.

Hoje coleciono dúvidas, digo que “não sei”, acredito que ainda posso aprender e sigo na certeza de que tudo será respondido a seu modo. Simples assim!

Leila Rodrigues
Fonte imagem: www.intelijur.com.br


Quanto maior a “sede” na procura de respostas, menos conseguimos enxerga-las. As respostas estão pelo caminho.
Grande Abraço

Leila Rodrigues 

sábado, 18 de maio de 2019

Medrosa



Tenho medo de ratos. Nem sei se a palavra certa é medo. Acredito que seja uma repulsa, me recuso a conviver no mesmo ambiente que um rato, ainda que por alguns instantes e ainda que ele (o rato) não esteja "nem aí” para mim. Contudo ainda me considero uma pessoa destemida. Não tenho medo da morte, não medo dos desafios, não tenho medo de altura, pelo contrário, adoro. Não tenho medo de crescer, tampouco das surpresas da vida. E quando tenho medo, vou com ele mesmo e nos viramos bem juntos.
O medo faz com que sejamos prudentes e isso é bom. Ruim é quando o medo nos bloqueia e nos impede de agir. Aí é pavor.
Mas devo confessar que eu tenho medo de gente. Tenho medo de gente falsa, aquelas que se parecem boazinhas, educadas e preocupadas conosco, enquanto na verdade, tramam, inventam, levam e trazem informações com o único objetivo de atrapalhar, estragar ou, como dizia a minha avó, “fazer o circo pegar fogo”. Para mim esse é o estágio mais mesquinho que o ser humano pode chegar. Este vale menos que os ratos e, por isso mesmo, tenho medo deles.
Também tenho medo dos invejosos. Daqueles que não sabem suportar a felicidade alheia. Daqueles que não conseguem se regozijar com nossas conquistas. Eles são muito bons quando precisamos deles, quando estamos por baixo, na pior ou em estado crítico. Geralmente são prestativos até o dia que não precisamos mais deles e aí, toda presteza vira ira, intensão reversa. Estes são monstros sorridentes no meio de nós. E deles precisamos nos afastar cada dia mais, até os perdermos de vista. As poucas vezes que precisei fitar uma pessoa para espantar o meu medo, elas se foram. Não suportaram um olhar que enxergasse atrás dos olhos.
Fora esses dois tipos estranhos, eu adoro gente, adoro pessoas, adoro conversar. É com as pessoas que eu aprendo, é com as pessoas que eu cresço, é com a diversidade de opiniões e pensamentos que eu fortaleço os meus princípios.
E assim eu sigo, com medo dos ratos e medo de gente. Mas sigo rodeada de gente que me querem bem de verdade  e me impulsionam a crescer cada vez mais. Dessas eu não tenho medo, posso garantir.  Nunca imaginei que medo e coragem caberiam no mesmo espaço, contudo depois de enfrentar pessoas e ratos, concluí que, esta medrosa aqui, tem mais coragem que muitos que declaram suas coragens em plena praça. Medrosa, eu? Não. Apenas atenta aos ratos.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis


Olá pessoal,

Pessoas vêm e pessoas vão. 
Algumas nos causam medo, outras temos vontade de abraçar. 
É assim a vida! 
Os ratos as baratas e as pessoas estão aí e vão continuar. O que nos fortalece é sabe que também tem outros bichos e outras pessoas incríveis para equilibrar. 
Sigamos com nossos medos. 
Grande abraço

Leila Rodrigues


domingo, 5 de maio de 2019

Tempo doce



Eu pensava em árvores; em bichos, estrelas e afins. Não vou esconder, eu tinha vontade de ser um bicho e dormir nos galhos das árvores observando as estrelas. Aquele sim era o meu lugar. Você vai achar que eu era louco e eu serei obrigado a concordar com você. Esse era meu mundo,  no inverno de 1988. Eu tinha apenas 16 anos e tudo que eu queria era fazer dezoito anos para tirar a minha carteira de motorista e cair no mundo na Rural Willis 75 do meu avô.  Ah, eu também queria prestar vestibular para veterinária. 
E ela já falava inglês, francês e português muito bem. Ela tinha os cabelos pintados de uma cor esquisita que anos depois eu descobri que se chamava acaju. Ela queria ir morar em Chicago e eu nem sabia para que lado ficava Chicago, só sabia que era nos USA.
Ela tinha encantos e eu tinha um jeito tímido de me encantar com tudo que viesse dela. Ela tinha os cabelos longos e eu tinha espinhas no rosto. Ela tinha uma cintura que prendia por completo minha atenção e eu tinha a mania de perder a fala toda vez que ela me fazia uma pergunta. Ela sempre falava sério e eu nunca falava nada. Ela era a mulher dos meus sonhos e eu, apenas mais um dos seus 240 alunos do colégio Santo Agostinho. 
Eu poderia colocá-la num altar, só para apreciar sua inteligência, sua beleza, sua facilidade para falar de física quântica enquanto eu ainda não tinha conseguido compreender que toda força tem uma reação contrária na mesma intensidade. 
Eu ensaiava conversas que nunca aconteceram, carrega seus livros, perguntava alguma coisa inútil, mas nunca consegui dizer o quanto a achava linda, inteligente, maravilhosa e perfeita para ocupar o lugar dos meus sonhos. Ela me respondia tudo tão rapidamente que me travava ainda mais, ela sorria para mim de um jeito que eu me sentia o perfeito idiota. 
Um dia eu presenciei uma discussão dela com outro professor. Ela falava da nova Constituição com a mesma propriedade que eu falava da minha bicicleta. Foi neste dia que entendi a nossa distância e tudo se desfez. Tomei o meu primeiro porre, pus pra fora toda a bile que eu tinha no organismo  e só voltei ao colégio 3 dias depois. 
Ainda tenho vontade de saber se ela conheceu Chicago e quando vou à Belo Horizonte e sempre faço questão de passar na porta do velho e bom Colégio Santo Agostinho. 
Quem sabe ela não está por ali?

Leila Rodrigues

Imagem: https://www.e-konomista.pt/artigo/melhores-cidades-andar-bicicleta-portugal/
Publicado no Jornal Agora e no JC Arcos


Olá pessoal,

criada no meio de 3 irmãos e convivendo com 3 homens em casa, é uma diversão me passar por um “menino” de vez em quando. Juntando tudo que aprendi e aprendo com eles, surge esta crônica que é uma volta à adolescência dos anos 80. 
Um tempo doce e ingênuo que só podemos recordar.
Bom domingo! Grande abraço

Leila Rodrigues


domingo, 28 de abril de 2019

O holofote e a sorte



O holofote e a sorte

A rede é palco. Com a internet, todos têm a oportunidade de colocar seus avatares neste palco. E o fazem muito bem! 
Não vamos discutir os motivos pelos quais cada um tem o seu avatar; geralmente, são personagens perfeitos, irretocáveis, que estão sempre sorrindo e gozando da mais plena felicidade. Na rede, todos são corretos, éticos, ecologicamente preocupados com o planeta e engajados em alguma causa. Na foto muito bem preparada para “o post”, todos se vestem bem, comem bem, se exercitam, se cuidam e principalmente usam e abusam da palavra gratidão. São todos bem sucedidos, se dizem bem resolvidos e parecem viver um extraordinário caso de amor consigo mesmos. Narciso é tímido perto do que temos visto. A grande maioria não se cansa de falar dos seus diplomas e do quanto tiveram que lutar para chegar onde chegaram. Um pseudo-lugar habitado pelos deuses da competência. Como se o resto do mundo fosse incompetente  e vivesse no andar de baixo dos seus pés dourados. 
Cá para nós, isso existe? Isso é real?  Pessoas que precisam provar o tempo todo que são "fodas" precisam urgentemente de um psiquiatra. Pessoas irretocáveis são insuportáveis! 
Na prática, nós gostamos mesmo é de gente normal. Pessoas que acordam de mal humor de vez em quando, que escolhem o cardápio sem saber o que é, que sentem dor de barriga, dor de dente, dor de cabeça, insônia e por que não, desânimo de vez em quando. Afinal quem nunca? 
É com essas pessoas que não carregam tantas certezas que queremos passar os bons momentos de nossas vidas! Pessoas despreocupadas de provar qualquer coisa ao outro. Porque pessoas verdadeiramente  bem-sucedidas nem tocam neste assunto com ninguém. Pessoas que realmente atingiram a alta performance não estão preocupadas em comparar o resto da humanidade consigo. Elas estão ocupadas demais vivendo, dando e recebendo atenção dos momentos presentes. Pessoas realmente evoluídas não se tornaram um cartão postal de si mesmas. Elas gostam do que fazem, fazem com prazer mas não são escravas do aplauso alheio. Elas geralmente acordam cedo, trabalham duro, choram de vez em quando, sentem medo e tem um extraordinário respeito pelo próximo. Estes sim, são os nossos verdadeiros ícones e eles dispensam holofotes. Eles são ocupados demais para isso. Há quem diga que eles tiveram muita sorte. Eu digo que a sorte adora gente que acorda cedo. 

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos
Imagem:  https://pt.wahooart.com/A55A04/w.nsf/O/BRUE-8BWTH7/$File/JOHN-WILLIAM-WATERHOUSE-NARCISSUS.JPG

Olá pessoal,

vamos falar a verdade. Ninguém aguenta mais esta turma de narcisos, perfeitamente chata, que circula entre nós. Eles são insuportavelmente perfeitos e na mesma proporção, insuportavelmente chatos. 
Eu gosto mesmo é de gente! De gente que segue em frente, de gente que ri, de gente normal que me permita exercer a minha normalidade junto com eles!

Grande abraço

Leila Rodrigues


sexta-feira, 19 de abril de 2019

Idas e vindas



Idas e Vindas

Eu tinha 13 anos quando me apaixonei pela primeira vez. E foi quando eu entendi que precisava dormir, acordar, estudar, tomar banho enfim, fazer tudo com o coração completamente inundado de alguém. Foi muito difícil! Difícil organizar as ideias, difícil concentrar, difícil não pensar, difícil me desvencilhar daquele ser que tomava conta de mim. Tomava conta de mim, do meu pensamento, do ar que eu respirava. Quase desisti de amar, mas não foi desta vez.

Eu tinha 21 anos quando fui pela primeira vez deixada por alguém. Eu estava em pleno sonho, em pleno encantamento quando tudo acabou. Foi um susto. Um baque! É como um pique de energia no meio de uma festa e quando a luz volta não tem mais ninguém. Faltou chão, faltou ar e novamente o meu coração ficou inundado da falta de alguém. E foi pesado carregá-lo assim tão cheio de mágoas. E mais uma vez, durante um bom tempo realizei todas aquelas tarefas que a vida nos impõe com o coração carregado de dor.

Eu tinha 28 anos quando perdi a minha avó que era uma pessoa muito importante para mim. E eu tive de novo de fazer tudo com o coração inundado da falta de alguém. Os dias eram intermináveis, a saudade parecia um furacão a me corroer por dentro. E viver foi, novamente, muito complicado.

E assim, durante muitos anos eu andei carregando um peso maior que o meu; o do meu coração. Hora cheio de alguém, hora cheio da falta de alguém. Muitos anos se passaram, muitas pessoas entraram no meu coração. Algumas estão até hoje, outros se foram sem deixar nenhum sinal. E ainda tem aquelas pessoas que foram breves mas deixaram rastros eternos. Idas e vindas de minha vida. Coração movimentado esse meu! 

Mas ainda que o preço de amar seja esse, eu prefiro assim. Talvez eu tenha, em algum momento, carregado peso demais. Talvez eu tenha carregado pessoas que já se haviam ido. E muito provavelmente, em algum momento eu carreguei mais do que eu poderia suportar. Mas vivi a alegria de ter um coração ativo. E sei que valeu a pena!

Hoje não conto mais quem entra ou quem sai. Isso deixou de ser importante. Muito menos quanto tempo ficou ou vai ficar. Abri as minhas portas e joguei as chaves fora. Afinal, se são pássaros aqueles que, às vezes, dentro de nós se aportam, que seja pelas suas asas a decisão de ir ou ficar. Se ficarem, que eu não os feche em minha gaiola. E quando se forem, que eu não alimente as suas sombras.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos

Olá pessoal,

Pessoas vêm, pessoas vão… É parte do processo. 
O mais importante nisso tudo é compreender que ninguém pertence, de fato, a ninguém. Somos todos de nós mesmos. 
Amar não nos torna proprietários do outro e ser amado não nos torna propriedade de ninguém.
Grande abraço, boa páscoa para quem for de páscoa e muito amor!


Leila Rodrigues

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Sem privilégios



Um dia nos damos conta de que ainda falta muito. O status de aprendiz dura o tempo de nossas existências. Embora tenhamos amadurecido, embora tenhamos vivência, experiência, cabelos brancos, anos assentados nos bancos das escolas, grandes livros na cachola e muitas horas de palestras, ainda somos alunos.  Ainda somos assolados pelo medo, pela insegurança e pela vontade imatura de não estar em alguma situação.

A vida nos prepara para viver, mas isso não nos isenta do susto, nem tampouco do sofrimento. Na verdade, nenhum aprendizado nos isenta de nada. Nossos anos de história não significam nenhuma garantia e maturidade, não nos privilegia de passarmos pelas provas da vida. Elas vão acontecer quer queiramos ou não. Elas vão nos surpreender, vão nos assustar e vão nos transformar de alguma forma. A dor nos transforma a ponto de nos sentirmos privilegiados pela oportunidade de evoluir.
Passado o susto, descobrimos nossas forças, nossas potencialidades até então guardadas para a hora certa. Tudo tem a hora certa, até mesmo nossas reações. Só precisamos compreendê-las.
Se tens medo, vai com medo mesmo. Abraça-o e o chame de seu companheiro, mostre a ele que você é a coragem. E caminhem juntos até o final.
Se tens desânimo, estenda a sua mão para o seu próprio desânimo e levante-se! Conduza-o como se conduz uma criança que não sabe onde ir.
Se estás inseguro, segura-te em cada dia, fragmenta seu sofrimento e viva um dia de cada vez. Aceite a batalha diária e considere-se vencedor ao final de cada dia. Pequenas vitórias são pílulas para as grandes batalhas.
Se tens mágoas, atire-as no rio. Ou então escreva-as na areia, bem perto das ondas. Mágoas pesam, mágoas impedem nossa caminhada evolutiva.
Mas se nada disso funcionar, se todas as receitas que a vida te apresentar forem inúteis, não se assuste. O fato é que as saídas sempre estiveram dentro de cada um de nós. E você vai encontrar a sua. Porque a saída é uma porta estreita e singular. É o jeito que cada um de nós encontra para vencer.
Um vai chorar, o outro vai reclamar, o outro vai fazer piada com a própria vida e o outro vai silenciar. No fundo, todos estão usando as suas próprias saídas. É só isso! E está tudo certo.
Em cada um de nós uma história, em cada história um desafio. Para cada desafio uma saída e em cada saída, um jeito especial e particular de vencer.



Leila Rodrigues


Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos
Imagem: https://www.portaldoholanda.com.br

Afinal, será que ainda falta muito? Será que estamos sendo únicos em nossas histórias? Esse é meu convite à reflexão dessa semana.

Leila Rodrigues

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Acaso ou Destino?



Ele não chegou de trem, muito menos de avião. Simplesmente chegou. Apareceu por essas bandas. Ela não chegou de lugar nenhum. Nasceu e cresceu por aqui. Seu sonho era um dia chegar de algum lugar. Ele sempre sonhou que um dia encontraria o seu lugar. Ele veio para trabalhar, subir na vida.  Ela colecionava perfumes, fazia yoga, terapia, academia e gostava de fotos.  Ele planejava ter um cachorro. Ela planejava ter filhos. Ele já não tinha mais os pais. Ela tinha cinco sobrinhos e quatro melhores amigas.  Ela procurava alguém que procurasse alguém também. Ele não procurava nada, tinha acabado de encontrar o emprego dos seus sonhos. Um dia se cruzaram na rua. Nem se viram. No outro se cruzaram de novo, no mesmo lugar. No terceiro dia perceberam a coincidência e se olharam. Ela reparou que ele estava mal vestido. Ele imaginou como seriam seus peitos. No quarto dia se cumprimentaram. Ela sorriu. Ele a fitou. Ela se envergonhou. Ele desvergonhou. No quinto dia foi feriado, não se viram. Ela ficou a pensar onde ele estaria. Ele ficou a pensar como ela estaria. Ela imaginou que estivesse com alguém. Ele imaginou que ela estivesse pelada. A segunda-feira custou a chegar.  Ela aumentou o decote. Ele aumentou os olhos. Ela o achou mais baixinho. Ele achou um jeito de chegar. Falaram por cinco minutos. Dados básicos. Nome, onde trabalham, coincidências do horário, profissão... Justificaram que estavam atrasados e foram cada um para o seu lado. Ela detestou o tênis dele. Ele adorou a pinta no rosto dela. Ela imaginou quantos anos ele teria. Ele imaginou quantas noites eles teriam.  Chegou o dia seguinte, a mesma hora e o mesmo local. Ele não apareceu. Ela ficou sem graça. Ele jogava xadrez com um amigo. Ela jogava fora a esperança. Ela ligou para as amigas. Ele ficou na esquina jogando conversa fora. Passou a hora, passou o local e quase passou mesmo a esperança dela. Encontraram-se no fim da rua. Ela o achou mais bonito desta vez. Ele a achou mais interessante ainda. Combinaram de encontrar no dia seguinte.  Ela sonhou com o encontro. Ele encontrou os amigos. Ele pediu um chope. Ela pediu licença para ir ao banheiro. Ela falava de si. Ele falava dela. Ele gostava quando ela sorria. Ela sorria quando ele gostava. Ele a achou meiga. Ela o achou forte. Ele quis ficar a sós. Ela quis ficar a dois. Ela sentiu frio, de nervoso. Ele sentiu calor, de nervoso. Ela sentiu que era a hora. Ele sentiu que passava da hora. Abraçaram-se como dois amantes, se beijaram como dois adolescentes, se despediram como duas crianças.
Hoje eles têm dois filhos, um cachorro, uma calopsita, um aquário, um rancho e muitos amigos.
...E vivem como um casal que se ama.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos
Imagem: https:// www.novohomem.com

Tem tantas histórias bacanas sobre início de relação. Umas ao acaso, outras encarregadas pelo destino. E a sua como foi?


Grande abraço

Leila Rodrigues