quarta-feira, 30 de maio de 2012

A chegada



A cor da moda era marrom. Enquanto eu caminhava pelas ruas cheias de lojas e as lojas cheias de roupas, a cor marrom ia entrando na minha cabeça e impregnando minha mente. Até hoje não consigo gostar desta cor. Me assustei com a quantidade de ofertas. E dada a minha condição de recém-chegada e descapitalizada eu não podia fazer mais nada a não ser olhar as vitrines.
Foi um ano difícil, de muita solidão, de pouquíssimos conhecidos, de crise financeira, de saudade de casa. Muitas vezes pensei em parar tudo e voltar para a minha terra, mas algo me manteve aqui. O primeiro casal de amigos, que são amigos até hoje, os vizinhos sempre tão atenciosos e acolhedores. Aos poucos fui descobrindo meus lugares. As praças, principalmente da Catedral e do Santuário, foram minhas grandes companheiras. Só quem passa por uma dificuldade financeira consegue entender a importância de uma praça. A praça não te cobra ingresso nem couver, a praça é de todos e para todos. A minha distração era encontrar um banco vazio e ali observar as pessoas. Um laboratório de idéias para qualquer escritor. 
Quando  eu perdia o sono, a janela era a minha parceira. De lá eu assistia os bêbados tentando encontrar o caminho de volta para casa, as turmas contando seus casos pela rua afora às 03:00 da manhã, os desabrigados procurando seus cantos para passar a noite. Casais apaixonados, outros nem tanto, rastros das festas da cidade deixados pelos foliões.
Para mim, a ordem era trabalhar. E trabalhar muito. Mostrar para os meus poucos clientes que eles podiam confiar em mim. E em contrapartida, fazer jus à confiança em mim depositada. Não existia horário para parar, não existia tarefa a escolher. Tudo que havia era um próposito a vencer. E em nome dele eu fiz café, limpei o chão, atendi telefone, anotei recado, vendi, negociei, entreguei, conheci, aprendi e cresci. 
Hoje consigo ver o quão importante foi esta fase. Quanto eu aprendi ao fazer cada uma daquelas tarefas! Foi ali, na dureza daqueles dias, na dificuldade daquela situação, que eu me fortaleci, que eu perdi o medo, que eu descobri a minha capacidade de lutar. Muitas vezes desistimos das lutas sem sequer termos lutado, desconhecendo assim, nossas reais forças. Desconhecendo o gigante que existe em nós. Precisei da dificuldade para me experimentar. E foi me experimentando que eu descobri quem eu era. 
Para minha alegria, no ano seguinte a cor marrom já havia sumido das prateleiras. A cidade se enfeitava de novo de uma nova cor, a espera de todos os seus fregueses. Vindos de longe, vindos de perto, ou daqui mesmo, lá estavam eles enchendo nossas ruas e fomentando o crescimento da cidade. Só que, desta vez, atrás da cor laranja.


Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora -Divinópolis MG em 29 de maio de 2012
Foto: Christian de Lima

Neste primeiro de Junho a cidade de Divinópolis faz 100 anos. A esta cidade que me acolheu e na qual eu construí a minha vida, a minha gratidão e o meu carinho. E a todos os amigos que conquistei aqui, a minha alegria de tê-los em minha vida.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Manhã de domingo




O sol mais que aceso me tira da cama cedo. Não brigo. Aceito e desperto obedientemente. Pelo menos hoje eu não preciso correr. Não estou atrasada, ninguém está à minha espera. Mas então eu poderia ter dormido um pouco mais? Certamente sim, mas a luz do sol foi tão convidativa que dormir seria um desperdício.
Meu cachorro, ávido por companhia, me recebeu com festa. O cheiro do café fresquinho me lembrou da casa de minha avó. A cidade ainda dorme. E eu aproveito esse silêncio para ouvir o encantamento da vida. Hoje me pergunto como eu consegui demorar tanto para descobrir isso? Como eu consegui viver sem perceber as manhãs de domingo? Elas (as manhãs de domingo) sempre estiveram ali, ao meu inteiro dispor. E eu passei batido sem percebê-las, sem usufruir desse frescor.
Como um capeta no ouvido esquerdo, escuto lá dentro de mim: E o PIB do país que está baixando? A gasolina em falta, você não viu? A quantidade de assaltos no centro da cidade em um dia! Isso é um absurdo! Estamos sem segurança! 
Decido continuar a conversa com este visitante do meu lado esquerdo e solto uma risada. Você não deixa de ter razão, garoto do garfo! Para quê escrever sobre felicidade, se o que dá ibope é o problema? Onde já se viu falar de manhãs de domingo em um país que ainda tem tanto a ser resolvido, melhorado, solucionado? Utópico da minha parte? Desumano talvez? Estaria eu com a cabeça em outro planeta? 
Não, menino vermelho, eu estou bem aqui, no olho do furacão como qualquer outro cidadão e vivendo os mesmos problemas que qualquer um. Aliás, não há nada que me encante mais do que saber que eu sou uma cidadã comum. Que eu sou um grão de farinha no meio dessa massa efervescente. 
O que eu hoje percebo, nitidamente, é que a felicidade não é algo que se compartilhe facilmente. Nem todos são evoluídos o suficiente para aceitarem a felicidade alheia. Talvez por isso assuntos como doença, queda, falência, separação, traição sejam mesmos mais interessantes. A felicidade é tão única que querer anunciá-la parece clichê! Só se divide com pai e mãe! Esses são os únicos que ficam, verdadeiramente, felizes com a nossa felicidade. Fora isso, cuidado! Você pode ser considerado um lunático ao dizer que o mundo é belo e que as manhãs de domingo são encantadas. 
Enquanto isso, meu lado direito observa tudo com a tranquilidade de um anjo. Essa tranquilidade incomoda tanto meu visitante vermelho que este desaparece no ar. 
Depois que eu descobri que as manhãs de domingo podiam ser só minhas, ninguém tira isso de mim. Esse momento é meu e ninguém tasca! Se isso é utópico ou não? Hoje não faz a menor diferença. A felicidade é isso, o coração liberto de todo o resto.
Não se preocupem amigos, daqui a pouco eu pego o primeiro trem de volta. Sempre almoço no planeta terra! 

Leila Rodrigues

Foto: Juliano Costa


Meus amigos queridos,

Muito obrigada a todos que passaram por aqui na minha ausência. Eu estou bem e a minha mão está cada dia melhor. Agora é muita fisioterapia para tudo voltar ao normal. Obrigada pela torcida. Senti saudades de todos e prometo retomar as visitas a todos vocês à medida das minhas possibilidades.
Grande abraço a todos!
Leila