sábado, 31 de maio de 2014

O tempo que nos transforma





Era muito cedo, antes de seis da manhã quando, depois da curva, eu enxerguei os prédios da cidade. Tinha neblina e o tempo estava fresco. Meu coração calado carregava um misto de medo e vontade. Se é que medo e vontade cabem no mesmo lugar! Mas foi bem assim que eu adentrei as portas desta cidade e aqui estou até hoje.
A caminhada foi dura, um começo difícil como a maioria dos começos. Com o tempo fomos acertando o passo e aprendendo a caminhar juntos. A cidade vivia o paradoxo de crescer e continuar a ser uma cidade do interior. Muita gente de fora, todos querendo um futuro melhor do que as pequenas janelas de suas cidades ainda bem menores que esta. E eu lutando para fincar aqui a minha bandeira.
Seus tantos prédios nos dão a sensação de cidade grande, mas grande mesmo sempre foi a vontade de dar certo que os guerreiros empresários travam a cada dificuldade, a cada crise, a crise obstáculo que nos impede de ir além.
Muitas transformações nos marcaram. Em mim e em você Divinópolis. Eu perdi a inocência e ganhei mais confiança. Você perdeu algumas chances e ganhou cada dia mais e mais pessoas que chegavam para ficar.
A hora mais difícil certamente é quando percebemos que crescemos e que temos que deixar para trás certas roupas velhas que não nos cabem mais. Praticar o desapego, assumir a sua grandeza e exigir um tratamento à sua altura. Passar de uma jovem cidade com um futuro promissor, para uma cidade madura com um presente vivo e atuante. Essa transformação exige coragem. Exige maturidade de cada um que habita o seu solo, exige competência de quem te governa e exige amor de quem pulsa por você.
Mas como crescer e manter intacto nossos valores e nossa cultura? É preciso ser rígido com os problemas e humano nas decisões. Não perder tempo procurando culpados e investir o tempo na solução das feridas. Cuidar bem das pessoas para que elas cuidem bem dos nossos negócios e da nossa cidade. Enquanto empresária entendo que tenho que promover estrutura, conforto e motivação para que as pessoas me tragam o resultado esperado. Com a cidade não é muito diferente! Para quê sair se aqui eu tiver um bom motivo para ficar?
Nestes quase vinte anos juntos, muitos desistiram no caminho, muitos foram obrigados a fechar suas portas, nas nós continuamos aqui, querida Divinópolis. Por amor a você, pelo desejo de manter o brilho desta estrela do centro oeste mineiro. Que venham mais 100 anos! E que nossos filhos te recebam com este mesmo amor e te promovam um crescimento digno.





Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 01/06/2014
Foto: Netty Assunção

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Saudade de mim





Quando coloquei a cabeça naquele tapete e fitei a luz azul, foi como se eu tivesse viajado no tempo. No silêncio profundo da sala de yoga, as lágrimas rolavam no meu rosto sem que eu tivesse uma explicação. Deixei que caíssem. Permiti-me chorar. Apenas senti o líquido quente escorrendo em meu rosto. Era saudade. Saudade de mim...

Na vida fazemos escolhas e escolher é distanciar de alguma coisa em detrimento de outras que certamente são mais importantes. E quando paramos para pensar, não sabemos onde foram parar nossas alegrias.

Começa assim, um dia você deixa a aula de violão para fazer inglês, porque o inglês é mais importante para a sua carreira. No outro você deixa de nadar porque vai fazer pós-graduação. Mais adiante você para de caminhar porque comprou seu carro e quando você percebe nunca mais você viu as flores do caminho que te faziam tão bem.

Bate uma saudade estranha, sem identificação. Saudade de um tempo que não sabemos mensurar. São as nossas escolhas que ficaram ao longo do caminho. Perceber esta nostalgia não é tão simples assim. Alguns adoecem, outros se deprimem sem saber por que e ainda tem aqueles que não adoecem, não se deprimem, mas ficam amargos e infelizes. Nem a fama, nem todos os diplomas, nem todas as posses conseguem resolver isso, porque este problema não está nas coisas, está dentro de nós!

Dê uma volta na sua história e veja de quê você sente saudade? Volte em algum momento de sua vida em que você tenha sido feliz de verdade. Se dê de presente um resgate. Pode ser yoga, violão ou futebol de botão, a atividade pouco importa. Experimente de novo aquele corte de cabelo que  ficou tão bem ou quem sabe subir em uma bicicleta e sentir o vento no rosto novamente?

Hoje o contexto é outro e nós somos outras e novas pessoas. Portanto essa experiência terá um novo encanto e certamente um novo sabor.  Pode ser que você retome de verdade o velho hobby, ou pode ser apenas uma aventura para matar a saudade. O importante aqui é dar asas à nostalgia e ser feliz com essa escolha que é só sua.

Não precisei vestir as batas que usava na juventude, nem o cabelo amarrado com contas como eu fazia. Hoje não sou mais aquela mesma pessoa de outrora. Mas voltar àquela sala de yoga foi o melhor presente que eu me dei. Sai renovada e certa de que a nostalgia não é tão difícil de resolver assim!


Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 20/05/2014
Imagem da Internet

terça-feira, 13 de maio de 2014

Pesquisa Infeliz





João tem seis anos, cursa ainda a educação infantil. Naquele dia era seu aniversário. E João, como toda criança de seis anos quando faz aniversário, acordou em festa. João é um menino muito comunicativo, todos do condomínio o conhecem. E curioso também!
Pela manhã ganhou alguns presentes da vizinhança. E presente para o João é coisa sagrada, não importa o valor nem o tamanho. Guardou tudo com cuidado.
Mas ele queria mesmo era a festa. Aproveitou que a casa estava cheia e partiu para a seção pergunta:
   - Papai o que é impávido colosso?
   - O quê? Impávido colosso? Bem... Impávido colosso é... Pergunta para a sua mãe.
   - Mamãe, o que é impávido colosso?
   - Aposto que foi seu pai que te mandou até aqui! É a cara dele fazer isso! Isso é hora de me perguntar uma coisa desta menino? Eu aqui atarefadíssima com a sua festa e você vem me perguntar isso! João, porque você não pergunta para a sua madrinha, ela é tão inteligente, faz faculdade. E vai te responder melhor que eu.
   - Madrinha, o que é impávido colosso?
   - Impávido colosso é aquela frase que a gente canta no hino nacional.
   - Isso eu sei madrinha.
   - Então... Assim, o que é, o que é mesmo eu não sei. Pergunta para o seu tio Nestor, ele foi professor durante muitos anos. Entende de tudo!
   - Quem é mesmo o Tio Nestor?
   - Tio Nestor é aquele que se casou com a sua tia Lalá no ano passado. Lembra? Ele foi professor durante muitos anos. Já se aposentou, mas continua inteligente. Pode ir até lá e perguntar para ele. Tenho certeza de que ele sabe a resposta.
   - Tio Nestor, o que é impávido colosso!
   - Depende! Se o pequeno se refere ao fragmento da letra do hino nacional brasileiro, escrito por Joaquim Ozório Duque Estrada, oficializado em 1922, gramaticalmente falando impávido colosso é uma hipérbole seguida de zeugma usada no texto intencionalmente para fortalecer a ideia de valentia e grandeza do então promissor país. Hoje nem colosso, nem impávido! Nada disso reflete a realidade desta nação incrédula na prosperidade.
A esta altura, Tio Nestor que já tinha tomado umas e outras se inflamou e disparou o discurso. Estarrecido com a resposta, João sai desolado da sala. De ombros baixos caminha até o seu quarto, abre o armário de brinquedos, retira o cavalinho que ganhou do vizinho pela manhã e fala quase chorando:
   - Amigo, você ia se chamar Impávido Colosso, porque eu achava esse nome bem legal. Mas a partir de agora seu nome é Totó.

Leila Rodrigues

Imagem da Internet
Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 13/05/2014