sexta-feira, 27 de maio de 2011

Procura-se

Procura-se alguém. Não sei ao certo quem. Procura-se alguém, que cubra esse vazio que me preenche. Alguém que responda a essas perguntas que me faço quando o vazio se faz. Alguém que ocupe esse lugar que não cabe ninguém.  Alguém que esvazie esse espaço lotado de ninguém.
 Procura-se alguém para quebrar esse silêncio, para dividir um momento, para passar o tempo junto e fazer o tempo melhor. Procura-se alguém que queira querer-me, alguém que queira ser querido.
 Alguém que além de falar, tenha voz; que além de ver, enxergue; que além de ouvir, escute. Alguém que me tome horas, minutos ou segundos, não importa; mas que me tome, me ocupe, me usufrua. 
Procura-se alguém, para deixar de ser só um e nos tornarmos um só. 


Leila Rodrigues 

quinta-feira, 26 de maio de 2011

De volta para mim

Comecei a ler um livro do Dalai Lama. A serenidade budista sempre me interessou muito. Para minha grande surpresa, o que me chamou mais atenção foi uma frase dele que dizia que, feliz é aquela pessoa que consegue rir de si mesma. Esta frase ficou na minha cabeça.
Comecei então a me observar mais. Queria saber se eu me encaixava nesta pessoa que conseguia rir de si mesma. Sempre fui uma pessoa palhaça. Fazer o outro rir, para mim não é difícil. Mas daí a rir de mim mesma é muito diferente.
A dúvida era descobrir se eu estava mais pra Hitler do que pra Charles Chaplin de mim. Não que eu seja uma pessoa cruel comigo, mas o fato é que a responsabilidade ocupa um espaço grande demais em mim.
A luta por sermos bons profissionais, bons maridos, boas esposas, bons filhos, bons pais, preparar o futuro, garantir o conforto da família, bater as metas, manter a forma, a libido e o sorriso é insana. Vencemos a luta e perdemos a essência.
Ingenuidade, brilho nos olhos, encantamento e atenção se perdem no meio da quantidade de compromissos que firmamos conosco. Com o objetivo de chegar neste lugar imaginário de realização, vamos nos deixando um pouco a cada dia pelo caminho. Quando se percebe, o eu ficou para trás. Quando se chega a este lugar tão sonhado, quem chega já não somos nós, mas um ser transformado pelas exigências do caminho.
Fui me achar lá num cantinho de mim. Tão pequena, tão sorriso, tão verdade. Capaz de achar a vida boa e linda sem nenhum motivo aparente, simplesmente porque eu fazia parte do todo. Capaz de rir do meu desconhecimento, de achar graça dos meus erros e me encantar com meus acertos.
Sem o compromisso de ser boa em tudo e sem meta pra bater eu sai por aí. Cabelo molhado, pé no chão. Laranja no pé, horta, café com queijo são fragmentos de mim. São prazeres tão simples e tão meus que já fazem parte de mim. Ainda que eu os faça só de vez em quando, eles me trazem de volta a mim mesma.
No tempo da chapa, admitir os meus cachos e achá-los lindos. Na era do peitão, comprar feliz um sutiã quarenta e dois. Rir da minha falta de jeito para bordar, para pintar, para fazer doces. Saborear o prazer de ter o samba no pé. Assobiar sem preconceito. Voar de asa delta. Chorar no cinema. Esta sou eu e é desta que eu gosto. Me alimento disso pra sobreviver.
Talvez eu ainda não consiga rir de mim. Dalai Lama, eu ainda tenho muito que aprender. Mas já consigo sorrir pra mim, consigo achar que é muito bom ser esta pessoa que sou. Um bom começo. 

Leila Rodrigues

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Ele pede a palavra

As vezes me pego fazendo de novo esta mesma pergunta: O que é que você quer de mim? E logo em seguida, assim em seguida mesmo, eu me faço a segunda pergunta: Por quê você tem sempre que querer algo por mim ou para mim?

Não basta querer para você como eu sei que você já quer? Tem que querer para mim também?

Não consigo entender isso. Você já foi tão longe, as vezes acho que você está anos luz à minha frente. Você sonha, você realiza, você faz, você acontece. Parece que a palavra movimento mora em você.

Você ouve, lê, traduz e distribui tão rapidamente que eu tenho dificuldade de acompanhar o seu ritmo. Às vezes, tenho vergonha de te dizer que estou querendo fazer algo, porque você está sempre querendo fazer milhares de algos.

Faço tudo para que você não perceba este meu descompasso, mas você insiste comigo para que eu tenha o seu ritmo.

Me deixe aqui, no meu caminhar tranquilo, no meu ritmo bossa nova. Eu adoro ver você à mil. Te juro, acho isso o máximo. Eu também vou chegar lá, do meu jeito.

No começo, eu confesso,  tentei podar as suas asas pra você não voar mais. Mas você sempre dava um jeito de voar de novo. Hoje não faço mais isso, estou aprendendo a apreciar o seu voo. Quanta elegância, quanta destreza. Você consegue escolher o melhor vento, atingir a melhor velocidade, descansar nas melhores copas e ainda dar um rasante vez por outra. Isso me deixa orgulhoso.

Não é fácil pra mim compreender,  em tão pouco tempo, que você não é nada daquilo que me ensinaram a vida toda;  daquilo que eu sempre achei que a minha vó, a minha mãe e as minhas tias eram. Ninguém me avisou que os modelos dos manuais, só existiam nos manuais.

Você não ultrapassou só os seus limites. Você ultrapassou os meus, os de uma sociedade inteira, os de uma nação. E como eu te admiro por isso.

Mas não posso continuar essa briga insana que travo comigo na tentativa de te acompanhar. Eu precisei parar agora,  para te dizer que é muito bom construir o ninho com você voarmos juntos de vez em quando, sonharmos juntos e construir nossos sonhos.

Você conseguiu se transformar em gaivota, que ótimo, vá em frente; mas permita e respeite o fato de eu ser apenas um bem-te-vi. Um feliz bem-te-vi.

Leila Rodrigues

domingo, 15 de maio de 2011

De fato

Pra sobreviver, a minha fala não condiz com o que eu penso 
Pra compreender, o que eu ouço soa mais que a minha voz
Pra progredir, o que eu busquei transcendeu minhas paredes.
Pra revelar, o que eu digo não acoberta o que eu faço.

Pra perceber, a minha alma vê melhor que os meus olhos
Pra contestar, minhas desculpas se curvam aos fundamentos.
Pra decidir, meu coração falou mais alto que a razão
Pra denegrir, a indiferença doeu mais que a rebeldia.

Pra combater, o meu sorriso disfarçou a minha dor.
Pra resistir, a minha revolta se vestiu de fantasia
Pra proteger, o meu silêncio disse mais que os atos meus
Pra debater, a minha coragem ecoou dentro de mim.

E eu que vivo cada impulso desses atos 
De contraponto e paradoxos vitais
Meus verbos vivos que vivendo me retratam
Fatos que, de fato, são atos, são parte de mim.

Leila Rodrigues

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A peça que nos une

Não é um sutiã, muito menos uma calcinha rendada. A peça que nos une, em tempos de tecnologia, cabe na palma da mão, custa caro e atende a todos os requisitos da atualidade: o celular.

Esta minúscula peça, aliás, cada vez mais minúscula, substituiu o despertador, o mp3, a agenda, o detetive e em muitos casos o computador e a tv. Mas é fato que ela nos une. Une quem está longe, desmarca compromissos que é uma beleza, dá parabéns aos esquecidos, registra situações inusitadas e mantém completamente unidos os casais. Já reparou? Casais se falam o dia inteiro!!!

Oi amor, estou entrando na consulta! Amor, saí da consulta, tudo certo. Amor, estou em reunião ainda! Amor, trazer o pão!... E por aí vai.

Já está provado o quanto casais são compreensivos no celular. É amor pra lá, amor pra cá, amor pra todo lado; só muda quando um não atende a ligação.

Ele: A anta não atendeu, não conseguiu encontrar o celular dentro dos vinte e cinco compartimentos da bolsa.

Ela: O burro não atendeu, o que será que ele está fazendo? Ai meu Deus, com quem será que ele está? Será que é mulher?

Há de se convir que esta peça que nos une, facilita e muito a nossa vida. Mas, convenhamos, tá na hora de colocarmos algumas regras de uso desta peça para uma convivência mais amigável.

1 - Que fique registrado, para as duas partes, que algumas atividades nos impossibilitam de atender o seu chamado ou o de qualquer outra pessoa, por razões óbvias. Fazendo as unhas, tomando banho e escovando os dentes são alguns exemplos. Não se irrite se o momento escolhido para tais atividades tenha sido o mesmo da sua ligação.

2 - Bolsas, podem ser instrumentos complicadíssimos de se manusear. Encontrar alguma coisa dentro delas então, muito mais complexos. Alguns casos são passíveis de um manual ou treinamento.

3 - O simples fato de estarem num buteco, não lhes confere a honra de não atender a ligação, seja você o macho ou a fêmea da relação.

4 - Enquanto um estiver falando, desista de lhe passar qualquer informação. Mesmo com dois ouvidos, é impossível para os seres humanos, ouvir duas fontes de informação simultaneamente.

5 - Embora os machos humanos sejam monossilábicos, têm momentos em que é necessário uma frase completa.  Principalmente porque, à distância, não temos como perceber suas expressões faciais e corporais, que ditam  40% de suas falas.

6 - Muito boa parte da população não trabalha com o celular na mão o tempo todo. Portanto, no horário de trabalho, não atendeu, contenha-se, a pessoa está trabalhando, o que significa ocupada.

7 - Ainda não vi ninguém atendendo o celular com o pé, portanto com as mãos ocupadas é impossível atender o celular. Fui clara? Ou faltou informação para a sua vã compreensão?

8 - Na hora das atividades imprescindíveis para a continuidade da espécie humana, desligue o celular. Não há nada mais desagradável do que ser interrompido pela mãe, pela sogra, pelo amigo, pelo cunhado ou por qualquer outra pessoa neste momento.

9 - Se você precisa vasculhar o celular do seu (ou sua) parceira para saber se existe algum resquício de uma terceira pessoa, aqui vai uma dica: trocar o celular não resolve. Troque o analista, troque de parceiro ou troque-se porque isso aí é fim de carreira!

Leila Rodrigues

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O prêmio

Oi Dr. Moacir,

Bom dia para o Senhor. Primeiramente, obrigado por essa oportunidade! Achei muito bacana essa sua idéia de pedir pra gente te escrever, faz muito tempo que eu não escrevo assim, de próprio punho e com caneta. Eu anoto tudo que me passam, anoto as reuniões, mas isso é diferente. Me lembrou quando eu escrevia carta pra Rosilda, minha esposa.
Dr. Moacir, em princípio eu achei muito estranha essa sua idéia de perguntar pra todos qual seria o prêmio ideal que cada um gostaria de ganhar ao cumprir suas metas. O Senhor endoidou, foi?! Mas tudo bem, é um direito seu querer ouvir a turma. Fico aqui é pensando que o Senhor vai ouvir cada coisa... Ai meu Deus, tenho até dó dos seus ouvidos.
Dr. Moacir, eu pensei tanto nessa sua pergunta que quase fundi meus miolos. Assim que o Senhor fez a pergunta, a primeira resposta que me veio na cabeça foi um carro zero, assim igualzinho ao do Senhor. Não xinga não! Só tô sendo sincero, afinal de contas não foi isso que o senhor pediu? Eu mesmo dei risada da minha pretensão, mas que eu pensei, pensei! Também podia ser uma casa lá naquele condomínio chique que o Senhor mora, mas aí eu pensei na quantidade de gente que tem nesta empresa e tratei logo de dispensar meus pensamentos.
Dr. Moacir, o Senhor me colocou numa sinuca de bico. Qual o prêmio ideal pra mim? Ah! Dr. Moacir, o Senhor não podia ter pedido isso pra mim não! Tem vinte anos que eu to aqui, o Senhor vai receber carta de todos aqui da empresa, cada uma mais bacana que a outra. O que será que essas minhas "palavrinha" aqui vão fazer no meio desse monte de carta?
Eu pensei, pensei, juro pro Senhor que pensei, mas não sei te falar.
Eu até pesquisei no dicionário a palavra prêmio pra entender melhor, prêmio é algo concedido à alguém como reconhecimento da excelência em determinado campo. Tirei o excelência porque fiquei constrangido com a força da palavra e deixei só o reconhecimento. Tá bom pra mim!
Se prêmio é reconhecimento, eu tava pensando aqui, o quê que o Senhor acha de começar pedindo para as pessoas reconhecerem umas às outras? Penso que seria muito bom! Já imaginou a turma dos engenheiros reconhecendo o trabalho dos porteiros, das copeiras, da turma da limpeza? Já imaginou Dr. Moacir, a equipe de vendedores reconhecendo a importância da turma que monta as cargas aqui de madrugada, enquanto eles estão dormindo? E a turma da produção reconhecendo a importância do DP que faz a nossa folha todo mês? Reconhecer pra mim, Dr. Moacir, é enxergar o outro como pessoa, como cidadão, como profissional. É respeitar independente do modelo da cadeira que se assenta. É entender que o meu uniforme de porteiro é meu orgulho e que passou esta porta pra dentro, ele vale tanto quanto os ternos da equipe de vendas. Bom dia, parabéns, obrigado são pequenos reconhecimentos que nos motivam a fazer grandes mudanças.
Um minuto de reconhecimento de cada um por dia, no fim do ano juntaria um reconhecimento enorme, não acha? Aí sim, o prêmio seria dado pra quem mais soube reconhecer os outros.
Sobre qual seria o prêmio, embora muito agradecido com a oportunidade, eu vou encerrar esta sem te falar assim, concretamente o prêmio ideal. Isso aí o Senhor é que decide. Agora, se o Senhor não achar muito louca a minha idéia do carro, estamos aí né!

Leila Rodrigues