quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Entre frutas e algo mais






Em cada banca uma cor diferente, um sabor diferente! Era assim que ela enxergava aquele mercado de hortifrúti. Para ela, a hora de escolher, cuidadosamente, o alimento da semana é um momento único! Um ritual que ela cumpre, religiosamente, toda sexta-feira bem cedinho.
Gosta de tocar as frutas, de sentir a textura, de observar o brilho e cor de cada uma. E também gosta de cheirá-las.  Ah! O cheiro! Cada fruta, cada folha, cada legume, um deleite. Ela para e vagarosamente sente o cheiro de todas que agrada. A maçã, o abacaxi, a manga, o caju, como cheiram maravilhosamente bem! As folhas, manjericão, couve, hortelã, em cada uma, um perfume à parte.
Ela sempre soube fazer daquela obrigação ingênua um momento especial. O faz com prazer! Cheirar, sentir, tocar e escolher.  Pensa na semana, nos pratos, na preparação, na boca das pessoas ao comer, no olhar, depois de saborear, que dá a nota final e verdadeira ao prato. Todos esses fatores devem ser lembrados e considerados na hora de escolher os alimentos. Ela, carinhosamente chama esse ritual de colheita seca, uma vez que não pode apanhar suas frutas, folhas e legumes diretamente da terra úmida de uma horta fresca.
No auge da sua maturidade, ela desfila entre uma banca e outra de frutas e leguminosas, como uma Noniforte, uma verdadeira deusa. Simpática, radiante de vida, ela cumprimenta a todos enquanto faz as suas escolhas. Questiona, pergunta o preço, negocia, conversa, conta um caso. Enfim, faz questão de tomar parte daquele ambiente tão simples e tão especial. São pessoas que hoje já conhece, já sabe a história, já divide muito mais que um sorriso de bom dia. 
Do lado de lá do balcão, os vendedores apreciam aquela mulher tão cheia de vigor. Tão cheia de energia, de vitalidade!  Não é difícil para quem a observa, imaginar que sua alma tem o mesmo colorido das frutas e o seu cheiro, a mesma intensidade de um manjericão fresco. Já não é jovem, mas mantém uma beleza de quem não tem medo do tempo.
Ela, ocupada com o momento, nem percebe o quanto a sua presença é capaz de modificar todo o ambiente. Tem muitas outras coisas mais importantes na cabeça do que a preocupação de agradar ou não. Simplesmente vai. Deixando pelo caminho, um rastro de encantamento muito diferente de todas as outras mulheres daquele lugar.

Leila Rodrigues

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ser em extinção




Numa sociedade em que a competição é cada dia mais acirrada, o mercado cada vez mais exigente e a concorrência cada dia mais inteligente, é preciso saber tudo de tudo. Se ontem bastava ser bom, hoje é preciso ser ótimo. É preciso se manter à frente das exigências da sua área de atuação. O básico virou banal. O complexo de ontem é o basicão de hoje e démodé de amanhã.
Tudo isso é fato. Temos que buscar formas de sobreviver nesta selva. O lado B de tudo isso é que esta busca desenfreada pelo sucesso ultrapassa os limites da sanidade. Onde é que está escrito que precisamos ser bons em tudo? 
Tenho visto pessoas fazendo um esforço sobre-humano para serem bons pais, bons filhos, bons amantes, excelentes profissionais e ainda levar uma vida saudável. E ainda correm daqui e dali para estarem em tudo e participarem de tudo.
 A palavra networking subiu à cabeça das pessoas. O que vemos são verdadeiros show-mans e show- girls. Atitudes premeditadas e comedidas, que não passam de um plano para chegar ao podium. Até os bons-dias são premeditados! Encontros e contatos são minuciosamente arquitetados. Elogios são distribuídos como fichas de entrada em um mundo melhor. Tudo faz parte da conquista do troféu de bem-sucedido! 
Onde estão as pessoas normais? Aquelas que têm a grandeza de dizerem que não sabem fazer algo, que perderam alguma coisa ou que se deram mal. Onde está você, ser em extinção?! 
Procura-se alguém que possa compartilhar verdades e não apenas vantagens. Procura-se por pessoas que saibam rir e chorar, perder e ganhar. Procura-se por gente que se machuca, que se esfola, que está na fila, que pede ajuda. Procura-se pessoas, não um case de sucesso. 
Ando correndo de quem tá pronto, inteiro, formado. Tenho pena dessas feras, perfeitos, acima de qualquer suspeita. Pessoas impecáveis, super-hiper-mega organizadas e extremamente bem sucedidas me causam pânico. Tenho medo de pegar a doença da perfeição e nunca mais ser eu mesma. 
Mulheres perfeitas à base de fluoxetina. Homens bem-sucedidos escravos de um comprimido azul. E ninguém toca no assunto do que não deu certo. Fazem-se caras e bocas, sorrisos e poses. Tudo isso para disfarçar que, por trás dos holofotes, somos todos iguais! 

Leila Rodrigues
Publicado no Jornal Agora - Divinópolis MG em 15/11/2011

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Alígero




Chegaste
E por um instante achei que seria para sempre
Quis prender-te ali,
não em mim, mas àquele momento
E imaginei que assim,
o momento pudesse se perpetuar

Entreguei-me
E entreguei tudo que em mim havia
para que você quisesse ficar
E na entrega interrompi a sua busca
Podei-te do meu mistério
E provei do seu refluxo

Fechei os meus olhos
Para não ver a saída
E assim permanecer na sua vida
Amando as suas migalhas deixadas no chão
E ainda assim fostes
Fostes, para nunca mais voltar!


Leila Rodrigues

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Outono




Que as folhas caem, eu sempre soube
Que elas seguem o vento, eu também sabia
Igual meus pensamentos
Talvez o que eu não soubesse ainda
Era que elas se permitiam secar
Perder a seiva, a cor, o viço, a maciez
Até se tornarem áridas, pálidas, completamente secas.
E vejo meu viço se indo
Sinto-me secando aos poucos
A pele, as lágrimas, o corpo, o desejo
Me tornei deserto
Sem seiva, sem viço, sem broto, sem flor
Difícil permitir
Mais difícil ainda lutar contra o curso dessa natureza
No jardim da minha existência, insisto em florescer
Busco água
Água viva, água de reviver
Mergulho na terra da minha história, minha trajetória
Abraço minhas raízes
Fecundo-me de esperanças
E me permito de novo
Florescer

Leila Rodrigues

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A culpa é da serpente


Desde criança aprendemos a colocar nome e sobrenome na culpa. Meu filho, com um ano e meio, quebrou o berço e foi capaz de dizer que a culpa foi do vento que "sofou" com muita força. Nem sabia falar, mas já sabia terceirizar a culpa. Temos, por convicção, as culpas prontas de mercado. A lista de culpados nem precisa ser divulgada, todos nós sabemos. O pior é que usamos e permitimos que a usem conosco.
No topo da lista, recebendo aplausos de todos, está o trânsito. Caótico, infernal, terrível... É assim que este herói nos salva de todos os atrasos da história. Dos simples aos mais complicados. Seguindo a lista vem o sistema. Ah! O sistema! Esse salva pessoas de demissão, esclarece atrasos e filas quilométricas e ainda camufla o péssimo atendimento. E ainda temos a operadora do celular! Essa nunca funciona quando não nos convém!
Observando o pacote culpa que o mercado oferece, percebo que nenhum dos itens da lista sabe falar. O fato é que a culpa não tem CPF. Já imaginou um dia, o Sr. Trânsito Cristóvão, solicitando um horário em rede nacional, para exercer seu direito de resposta? E o seu celular te dando uma bronca porque foi você que não quis atender a sua mulher? Seria hilário!
Vivemos a era da terceirização e a culpa não poderia ficar de fora. No trabalho, dispendem de longas e longas discussões para encontrar os culpados, enquanto o problema cresce como fermento à espera de um ser mais evoluído que o resolva. Nas salas de aula, a culpa ficou cíclica, pais, educadores, governo, merenda, dinheiro, pais, educadores, governo, merenda, dinheiro... E os filhos reinando absolutos sem limites e completamente sem noção. A culpa é da globalização, é da internet, é da igreja, é do horário de verão, é da queda do dólar, é da alta do dólar. Temos à disposição um cardápio completo de bons e consistentes culpados.
Mas, seguindo os fatos e o que a história me relata, volto nos primórdios da nossa civilização para entender onde tudo começou e chego à conclusão que a rainha mãe do reino dos culpados é mesmo a serpente. Se não fosse a serpente, que seduziu a Eva, que seduziu o Adão, nada disso aqui teria acontecido. Então, a culpa é da serpente!.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora -Divinópolis-MG em 01/11/2011

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Para Drummond



No meio do caminho tinha uma pedra
Aproveitei pra descansar
Sentei-me
Olhei para trás
Revi o caminho percorrido
Refiz a rota
Calculei os riscos
Respirei fundo
Continue a caminhar

E sigo a encontrar  outras pedras
Que me fazem parar
Que me fazem seguir
Ah se não fossem essas pedras!

Leila Rodrigues - com toda admiração e respeito a este grande Mestre.