Um dia turbulento é como um furacão invisível. Não há fumaça, não
há fogo, mas há destroços. Naquele fim de tarde eu estava destroçado pelo meu
dia cruel. Eu precisava de um colo ou de qualquer coisa que pudesse aquecer a
frieza da minha alma. Àquela altura, um trago ou um gole de café bem quente era
o que eu tinha, embora não resolvesse o meu problema. Sentia a minha nuca
pressionar o meu cérebro e sabia exatamente que era a minha pressão subindo a
cada minuto. Um homem na minha idade jamais vai assumir que tem medo, mas eu
sabia nitidamente o peso das decisões que me aguardavam e os riscos que eu
corria.
A rua vai me fazer bem, pensei. Liguei o som bem alto para não
ouvir meus pensamentos e comecei a virar esquinas desordenadamente. Eu que
sempre tive um destino certo para tudo e para todos, naquele momento não tinha
destino algum. Só uma vontade de continuar andando. Esquinas sempre me
intrigaram. E o que há depois de cada esquina depende de cada olhar.
Alguns bares começavam seus expedientes enquanto outras tantas
pessoas se aglomeravam no ponto de ônibus a espera da “condução”. Eu procurava
um rosto conhecido, uma porta aberta ou qualquer coisa que pudesse parar a
minha cabeça a mil.
Parei no sinal e vi a moça fazendo malabarismo com alguns tacos. Depois ela cuspiu fogo e saiu correndo entre os carros tentando arrecadar algum dinheiro. No canto da esquina estavam seus pertences. Sua vida provavelmente. Lembrei-me da minha casa de quatro quartos, do apartamento na praia, dos meus dois carros na garagem, da quantidade de ternos no meu armário... Sorri para a moça e torci para que ela me sorrisse de volta. Queria muito conhecer o sorriso de alguém que vive com tão pouco. Não foi difícil. Ela sorriu e me pediu um cigarro. Respondi que não fumo e ela disse "também não, mas levo para o meu marido".
Parei no sinal e vi a moça fazendo malabarismo com alguns tacos. Depois ela cuspiu fogo e saiu correndo entre os carros tentando arrecadar algum dinheiro. No canto da esquina estavam seus pertences. Sua vida provavelmente. Lembrei-me da minha casa de quatro quartos, do apartamento na praia, dos meus dois carros na garagem, da quantidade de ternos no meu armário... Sorri para a moça e torci para que ela me sorrisse de volta. Queria muito conhecer o sorriso de alguém que vive com tão pouco. Não foi difícil. Ela sorriu e me pediu um cigarro. Respondi que não fumo e ela disse "também não, mas levo para o meu marido".
Acelerei o carro e continuei virando esquinas. Parei no primeiro
bar e pedi algo líquido. Enquanto eu engolia o líquido âmbar que me queimava a
garganta, a minha cabeça disparava um filme onde o protagonista era eu. Parado,
imóvel esperando chegar a coragem para prosseguir eu lembrei-me de todas as
mulheres que eu tive. Uma por uma. Todas lindas, impecáveis! E acredite, eu
amei cada uma delas. Lembrei-me da moça cuspindo fogo e em seguida sorrindo para
mim. E eu aqui com medo de correr riscos. Desejei não ter casa, desejei não ter
nada. Desejei ter apenas as esquinas e alguém me esperando com alguns cigarros
amassados na mão.
Leila Rodrigues
Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 30/06/2015
Imagem da Internet
Difícil comentar em poucas palavras, Leila, uma crônica da realidade da vida de muitos. Há um certo egoísmo que se alastra em torno de nós que, só temos olhos e sentimento para o que nos atinge... Buscamos fora a "simplicidade" que deveria humildemente se instalar em nós. Enfim, esse é o retrato de tantos que se classificam na categoria: - humanos!
ResponderExcluirBjs.
Apenas uma palavra:
ResponderExcluirMAGNIFICO!!!!
Adoro essas crônicas urbanas.
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