O céu é cinza, o
chão é cinza e os prédios são acinzentados. E eu acabo me misturando a esse
jeito cinza de ser quando estou em São Paulo. Misturo-me e gosto. Curto o frio,
a garoa e a pressa do Paulistano. Impossível não ter pressa em São Paulo. Aqui
tudo é tão urgente, tão latente que me assusta. Às vezes tenho a impressão de
que o Paulista vive em outra rotação.
Primeiro sinto medo.
Um medo bobo, de quem está acostumado a ser reconhecido de longe e agora tem
certeza absoluta de que não será reconhecido por ninguém. Anonimato absoluto.
Depois o medo vai dando lugar a uma curiosidade enorme pela cidade e suas
pessoas apressadas. Entrego-me fácil. Rapidamente descobrem que eu sou apenas
um "passante" por aqui. Meu olhar curioso em 360º me condena e o meu
desajeito ao atravessar as ruas também.
Relaxo. E deixo o
improvável apoderar-se de mim. Aqui não sou nada mais que mais um. E como é
leve ser apenas mais um! Ter a minha identidade misturada às demais e perder o
peso de ser quem determinei que fosse.
De que vale meu
sobrenome no meio de milhões de sobrenomes iguais ao meu? De que vale minha
formação diante da multidão que se forma a cada dia? De que vale a minha
educação se eu não posso dizer que sou a filha do Déco? Sinto-me nua, me sinto
só. E terei de me garantir assim. Sem lenço e sem documento, provavelmente com
o mesmo medo que Caetano sentiu quando chegou por aqui.
Aos poucos pego o
jeito e acerto o passo. Já sei andar depressa. Já entendi a importância da
bota, do casaco e do guarda-chuva. Aceito o pão com salame como tira-gosto e
descubro que ninguém morre por ficar na fila duas ou três horas. Na fila sempre
surge uma conversa aqui, outra ali. Descubro que o sujeito da frente é Cearense
(óbvio) e o de trás é da Paraíba (óbvio de novo). Surge um assunto, conto que
sou Mineira, o outro conta como chegou e ao longo da conversa fica claro para
mim que o colorido desta cidade vem das pessoas e não se atém ao cinza de seus
prédios. Cada Paulista tem a cor que deseja, que carrega em si. O Paulistano é apressado
e workholic mas tem o coração abarrotado de história
e de paixão pela cidade. Defende-a com unhas, dentes e coração. Ele é apenas
mais um cidadão na selva de cimento a espera de alguém que ainda não tenha se
acinzentado como a cidade chegar e deixá-lo entrar.
Quem sabe um dia
ainda venho para ficar?
Leila
Rodrigues
Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 23/06/2015
Imagem da Internet
Ótimo texto! Gostei! Abraços.
ResponderExcluirhttp://apoesiaestamorrendo.blogspot.com.br/
Leila querida, matei as saudades!!! Que texto lindo e bem escrito. Teus textos emocionam, você tem uma criatividade e faz a gente pensar, até vejo leite sair da pedra...
ResponderExcluirBeijos mil!
"Narciso acha feio o que não é espelho". É assim mesmo que a gente se sente quando se está numa metrópole dessa. Quando fui a primeira vez senti tudo isso. Gosto de SP para passear, para morar acho que não gostaria, gosto de lugares onde me conhecem, sou bem interiorano.. Belo texto.
ResponderExcluirAdorei!
ResponderExcluirIntensa crônica essa!
Bzix \Ricardo