quinta-feira, 28 de julho de 2011

O aprendiz

Quero ser um aprendiz. 
Sim, um eterno aprendiz. 
E assim sendo, jamais perder o olhar curioso, a criação ingênua e o encanto das descobertas.

Quero ser um aprendiz. 
Sim, um eterno aprendiz. 
E assim sendo, jamais adquirir a arrogância da certeza, a frieza dos troféus e a solidão dos deuses.

Quero ser um aprendiz. 
Sim, um eterno aprendiz. 
E assim sendo,  jamais deixar a incerteza do sucesso, o arritmia da dúvida e a lágrima das conquistas.

Quero ser um aprendiz. 
Sim, um eterno aprendiz. 
E assim sendo, jamais contrair o vírus da fama, a doença do sucesso e a ilusão do estrelato.

Quero ser um aprendiz. 
Sim, um eterno aprendiz. 
E assim sendo,  jamais sucumbir aos efeitos do aplauso, ao brilho dos palcos e ao poder do meu ego.

Quero ser um aprendiz. 
Sim, um eterno aprendiz. 
E assim sendo,  jamais querer saber quem chegou primeiro, quem chegou por último ou a que lugar cheguei.

Quero ser um aprendiz. 
Sim, um eterno aprendiz. 
E assim sendo,  jamais ser pronto, completo, finito.

Quero ser um aprendiz e seguir como criança, aprendendo por aí...

Leila Rodrigues

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Cinco minutos

Seis e meia da manhã. Abro os olhos. Meu corpo condicionado aguarda o despertador, como que querendo competir com ele. " Eu sou mais preciso que você. Acordei primeiro!"
Ouço os barulhos lá fora. Alguém começou antes de mim. Carros passam apressados, sirenes anunciam a hora de começar.
Onde foram parar os pássaros? Os galos, os bem-te-vis e pardais, onde estão? O cheiro de café coado? Biscoito frito recendendo pela casa? Plantas molhadas de orvalho, friozinho da manhã? Cadê tudo isso?
O sol continua demorando o mesmo tempo para surgir todas as manhãs; mas eu não consegui dar à minha manhã o seu devido tempo. Passo batom no elevador, vejo as notícias no iPad, listo e repasso as tarefas do dia enquanto caminho na esteira.
Orgulhosamente chamei tudo isso de otimização do tempo. Será mesmo? Fazer duas, três ou mais coisas ao mesmo tempo. Até que ponto isto é otimizar o tempo? Otimiza-se o tempo e "pessimisa-se" a mente. Será vantagem, otimizar o tempo hoje para gastar amanhã na cama de um hospital?
Como um buraco sem fundo vamos nos enchendo sem limites. De informação, de comida, de compromissos, de responsabilidade. E consequentemente de medo, de angústia, de dores, de stress, de remédios.
Como a mente não ocupa espaço, perdemos a noção de ocupação desse pseudo-local. Quando percebemos, esvaziar-nos vira uma tarefa dificílima e dolorida. Nos acostumamos de tal forma a mantermos a mente ocupada com alguma coisa que não suportamos o vazio. E assim, fujo do encontro comigo mesma como o diabo foge da cruz!
Pode alguém não suportar a sua própria companhia? Assim estamos nós, sempre acrescentando um afazer na lista, porque parar virou vergonha nacional. Quando acaba tudo, fácil, fácil coloca-se na fila um filme, a internet, o jogo, que é pra não dar chance para encontrar consigo mesmo. Como é que eu posso ser companhia de alguém se eu ainda não suporto a minha companhia?
Será que o vácuo de nós mesmos é tão insuportável assim? Há quanto tempo não falo comigo mesmo? Sou capaz de perguntar para todo mundo, "como vai? Tudo bem com você?" E para mim mesma nem um oi ando dizendo.
Falta-me cinco minutos. Cinco minutos para mim. Cinco minutos para eu encontrar comigo e me dizer bom dia. Cinco minutos para eu ouvir de mim como eu estou realmente. Cinco minutos para eu chorar ou sorrir. Cinco minutos para eu abrir a janela, respirar fundo, ver o dia amanhecer. Cinco minutos de mim para mim... E o resto do meu dia ficará muito maior e melhor.

Leila Rodrigues

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Raízes

Entre uma serra e outra, um amontoado de casas. Certamente uma igrejinha, construída bem no alto. Uma ilha de casas, cercada de verde por todos os lados. Um lugar bucólico, um lugar tranquilo onde parece que ninguém tem pressa. Um lugar onde pouca gente chega e muitos de lá se vão.
A rodovia passa no trevo e ninguém tem coragem de entrar a não ser quando tem festa dos santos. Não importa o nome do santo, quem foi ele, nem qual protetor ele seja. Neste dia todos vêm, de algum lugar vêm.
É aqui, em uma dessas cidades que eu nasci, que eu cresci; que eu tive a mais rica infância que alguém pôde ter. Pelos quintais da vizinhança, conheci e comi as mais diversas frutas que uma criança pôde experimentar. Voei com as pipas coloridas dos meus irmãos, feitas de papel e sonhos. Experimentei a mais intensa felicidade que uma criança pôde viver. E assim como eu, todos nós que aqui nascemos, que por aqui crescemos, certamente todos, tiveram uma infância parecida com a minha.
Dali, quase todos nós saímos um dia. Quem tem asas não se prende atrás da serra. Na mala, a colcha que a mãe fez, a rapadura para adoçar a vida, um queijo para os primeiros dias. Um frio gigantesco na barriga e os olhos arregalados de medo. Medo do novo, medo daquele povo diferente, apressado. Medo da velocidade do tempo, dos carros e das pessoas. Medo do despreparo. Pena não saber, naquele momento, o quanto aquela infância havia nos preparado para a vida.
Numa dessas cidades, pequena como a minha, nasceram Juscelino's, Adélia's, Drumond's e tantos outros que se espalharam por aí. Criados com queijo e sabedoria, tias e ave-marias, se tornaram grandes homens, grandes mulheres. Tão simples e ao mesmo tempo tão ricos de sabedoria, como o lugar que cresceram.
Hoje tudo tão mudado, asfalto para todo lado, empresas chegando, pessoas também. Até poluição já chegou por lá. Dizem que isso se chama progresso, faz parte do pacote “evolução”. Eu daqui, fico orgulhosa de ver que hoje, muitos já não precisam fazer como eu fiz. Por lá mesmo foram reconhecidos e encontraram seu lugar.
Torço para que aquelas casas nunca desapareçam de lá e que as minhas asas nunca esqueçam o caminho do ninho.

Leila Rodrigues

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Amor na versão 4

Para começar nossa conversa, venha disposto a conversar. Aceite meu sorriso tímido, de quem não fez um check list antes de sair, de quem não está 100% à vontade, mas está 200% com vontade.
Perdoe-me se o frescor da juventude não estampa mais a minha pele. Aceite o calor que ainda me queima por dentro, hoje muito mais quente do que quando existia frescor.
Eu não terei tempo de reparar seu relógio, nem seu carro, nem o couro da sua carteira. Não é isto que me encanta em você. Mas ouvirei atentamente cada palavra dita, cada sorriso, cada gesto.
Você não precisa pagar a minha parte da conta; a esta altura, contas já não contam tanto assim.
Fique a vontade! Aqui não é mico gostar de Bob Dilan, usar mocassim, jaqueta de couro. Eu também ainda insisto no blazer vermelho. E vez por outra vou cantarolar um Belchior.
Me ofereça algo mais do que frases prontas, copiadas-coladas de um email qualquer. Me ofereça o que for seu de verdade, eu aceitarei de bom grado e farei disso o meu melhor jantar.
Traga somente você no nosso encontro. Deixe lá fora seus méritos, suas medalhas, seus títulos, sua beca. Venha sem armas, sem truques, sem compromisso. Traga apenas a sua história,  sua trajetória. E isso será o bastante para nos darmos muito bem. Venha você, porque quem te espera aqui sou só eu.
Eu prometo não comparar você comigo, nem com mais ninguém. Prometo ser eu mesma durante todo o tempo em que estivermos juntos.
Sinais do tempo estampam nosso rosto e revelam nossas lutas, mas nossos olhos, turvos pelo tempo e brilhantes de esperança, redescobrem a disponibilidade de começar tudo outra vez. Uma página em branco de um caderno usado, capaz de receber uma nova história. E nela escreveremos nossos feitos, nossos jeitos e conceitos sem nenhum preconceito. Sorrisos que revelarão nossos mais íntimos segredos e a cumplicidade que será a chave única de nós dois.
Não foi voce nem eu que chegou tarde, foi a vida que tardou para nos unir, porque esse era o tempo certo dessa história. O amor não é propriedade exclusiva dos jovens, é propriedade de quem o vive, enquanto o vive.


Leila Rodrigues