segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Nunca me outono



Você pode achar que é arrogância. Na minha adolescência eu também achava os adultos arrogantes e prepotentes. Mas hoje, que já passei dos trinta, dos quarenta e muito provavelmente da metade da minha vida, posso te garantir que não é arrogância. É apenas um silencio estranho que passei a cultivar dentro de mim. Os questionamentos continuam, mas são muito mais meus do que de qualquer pessoa. Não se faz mais necessário gritá-los por aí. Hoje já não me importo mais com a marca do seu jeans, mas me importo sim se eu perder a minha aula de yoga. Não me interessa mais quantas curtidas eu tive, quantas festas serei convidada ou quão correto está o meu look. Chega a ser engraçado, mas algumas coisas que antes eram tão importantes se tornaram relevantes sem que eu tenha acionado nenhum botão mágico. Eu hoje espero a minha violeta florir com a mesma alegria que na minha adolescência eu esperava na janela o moço louro passar. E decididamente me proponho a guardar todo meu dinheiro para fazer uma viagem e deixar para trás todas as coleções maravilhosas de sapatos sem comprar um par sequer. Hoje me interessa  saber se aquele meu amigo está feliz morando sozinho em Floripa ou se a minha cachorra dormiu bem depois de parir. E sou capaz de passar horas procurando atentamente a palavra certa para meu novo haicai. Você pode até achar que eu não tenho mais uma opinião formada sobre política, corrupção ou o mensalão. Engano seu, eu continuo com a cabeça cheia de opiniões, ideias e projetos, apenas não tenho mais a pretensão de mudar o mundo. Se eu conseguir mudar-me, já me sentirei vencedora.
Você pode até achar que eu estou me curvando ao tempo. Eu acho mesmo que o tempo andou mexendo com a gente. Perdi a pressa de chegar. Terá sido porque já cheguei?  Ou simplesmente porque hoje espero a primavera saboreando os ipês? Passei tanto tempo correndo atras de um lugar, que perdi as estações que me conduziam. Hoje choro não tê-las contemplando um pouco mais. Mas ainda me resta a próxima estação e isto é o que importa. Nunca me outono e sempre hei de cultivar uma primavera dentro de mim. Por mais cinza que esteja o tempo aqui fora, por mais chuvoso que tenha sido viver depois que ele se foi, por mais frio que seja viver sozinho, eu insisto em fazer em mim um sol pleno e nunca há de faltar flores para a minha janela. Nunca me outono. Jamais!

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos

Imagem e título da minha amiga querida Elisa Campos. 

Elisa é daquelas raras pessoas que parecem ter alma de pássaro tamanho a leveza. Não a conheço pessoalmente, mas sinto-a tão sensível quanto seus haicais, tão leve quanto o voo de um pequeno pássaro, tão meiga quanto uma flor. Elisa querida, obrigada por fazer parte da minha rede de amigos especiais (nem digitais, nem virtuais), especiais porque fazem os meus dias mais coloridos. 



3 comentários:

  1. Isso é maturidade, o tempo sempre se encarrega de nos dar essa oportunidade e é muito bom!
    Abraços!

    ResponderExcluir
  2. Perfeito! Também já não grito mais.
    beijogrande

    ResponderExcluir
  3. Muito lindo o texto, Leila. Gostei demais. Parabéns. Acho que todos nós mudamos por dentro a partir de uma certa idade. Começamos a admirar a viagem, ou melhor assumimos a viagem -- que na juventude a gente nem ligava, porque pensava ser uma estação de chegada -- e passamos a admirar tudo o que nos circunda. Também amo haicais e, às vezes até arrisco-me a escrever alguns (é complicado "tirar" um instantâneo do momento, com tão poucas palavras!) O que tem me desagradado atualmente é ver tercetos e mini-poemas, muitos deles, lindos e cheios de emoção, sendo indevidamente apelidados de haicai. Haicai é outra coisa, você sabe. E a meu ver, essa confusão desmerece uns e outros. Mas enfim, talvez tenha havido uma mudança conceitual e eu esteja por fora. No momento estou aqui por causa do seu lindo texto. Parabéns, voltarei outras vezes aqui no blog. Beijos. Marli

    ResponderExcluir

Obrigada pela visita. É muito bom ter você por aqui!
Fique à vontade para deixar o seu recado.
Volte sempre que quiser.
Grande abraço