segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Tempos áridos




Quem mora por essas bandas já sabe que o outono e o inverno são cruéis com a plantação. Este ano, porém, foi devastador. E quem pode tirar alguns minutos do dia para prestar atenção na natureza, percebe o desgaste acontecer dia após dia. A água vai baixando, diminuindo, as plantas murcham, depois secam e algumas se fingem de mortas. Lições da natureza. O gado cada vez mais cansado não sai de perto do pouco barro que resta. As árvores despendem-se de suas folhas e sustentam caladas o sol a pino.
Eu caminhava toda manhã pela trilha do Belardo. É uma trilha que nós moradores fizemos, que nos leva até a nascente do rio. O nome Belardo é em homenagem ao vizinho Belardo que ajudou fazer a trilha, mas não a viu pronta, foi prestar outros serviços no céu.
A minha rotina todas as manhãs é caminhar até a nascente, beber um gole de água pura e depois sim, começar o meu dia. O fim do inverno é marcado pelo céu sem nuvem e pela tonalidade amarela diferente do sol. Antes de me mudar para cá, eu jamais imaginei que o sol pudesse ter tons diferentes. Provavelmente era a minha pressa de viver que nunca me permitiu olhar para o sol. Hoje eu sei que a cada estação do ano ele tem suas nuances diferentes de amarelo.  Aprendi a respeitá-lo, como fazem todos que vivem da plantação.
A televisão anuncia que a situação é crítica, os políticos usam a falta d'água para conseguir votos, os ensandecidos continuam lavando carros, calçadas e afins e os peixes se desesperam pelas ultimas gotas que lhes restam.  Impotentes é como ficamos todos diante deste fenômeno. Tão inteligente o bicho homem, capaz de inventar a cura para tantos males e um completo impotente diante da falta d’água. Anos e anos usufruindo da natureza sem nenhum respeito e agora impotente diante das consequências.
Eu, que vivo aqui na beira deste rio, que um dia deixei a cidade grande e escolhi este canto para viver, observo em silêncio o meu rio morrer. Naquela manhã voltei sem meu gole de água fresca. Voltei cabisbaixa, pensativa. Pensei nos peixes, pensei nas plantas, pensei no gado, nos sapos, nos pássaros e em todos que dependiam daquela água. Rezei. Rezei pelo rio, pelos bichos e principalmente pelos homens, para que a necessidade nos provoque um despertar. E que o despertar nos tire dessa condição bestial de usufruir sem medidas de tudo que recebemos da mãe terra. E quando a chuva caiu, ainda que tímida, debrucei na janela e deixei que as minhas lágrimas caíssem junto.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em  07/10/2014
Imagem da internet

3 comentários:

  1. Que tocante o seu texto, Leila! Vivemos realmente uma condição bestial em que pensamos em ter, coisas, consumir, sem nenhuma moderação, e os bens gratuitos do Criador desvalorizamos todos! O "bicho homem" que se diz racional, tem agido com o mais irracional possível! Chega um tempo em que os bens naturais valem mais que muitas aplicações bancárias! Parabéns pelo seu posicionamento!
    Abraço.

    ResponderExcluir
  2. Leila, é emocionante te ler e cair bem a ficha dessa triste realidade. Infelizmente o bicho-homem usa, abusa de tudo e depois falta vamos ter! Mas eles não pensam nas gerações próximas. Só que nunca imaginaram que faltaria Já, agora! bjs, lindo DEZEMBRO! chica

    ResponderExcluir
  3. Eu quero acreditar que teu rio vai reviver.
    Nós que acreditávamos ser infinita a mãe natureza, agora temos a oportunidade, pela pior maneira possível, mas ainda assim uma oportunidade de olharmos com o devido respeito traduzido em mudanças de hábitos.
    Lindo, lindo teu texto!
    Beijo!

    ResponderExcluir

Obrigada pela visita. É muito bom ter você por aqui!
Fique à vontade para deixar o seu recado.
Volte sempre que quiser.
Grande abraço