terça-feira, 24 de junho de 2014

Raízes




Entre uma serra e outra, um amontoado de casas. Certamente uma igrejinha, construída bem no alto. Uma ilha de casas, cercada de verde por todos os lados. Um lugar bucólico, um lugar tranquilo onde parece que ninguém tem pressa. Um lugar aonde pouca gente chega e muitos de lá se vão.
A rodovia passa no trevo e ninguém tem coragem de entrar a não ser quando tem festa dos santos. Não importa o nome do santo, quem foi ele, nem qual protetor ele seja. Neste dia todos vêm; de algum lugar vêm.
É aqui, em uma dessas cidades que eu nasci, que eu cresci; que eu tive a mais rica infância que alguém pôde ter. Pelos quintais da vizinhança, conheci e comi as mais diversas frutas que uma criança pôde experimentar. Voei com as pipas coloridas dos meus irmãos, feitas de papel e sonhos. Experimentei a mais intensa felicidade que uma criança pôde viver. E assim como eu, todos nós que aqui nascemos que por aqui crescemos, certamente todos, tiveram uma infância parecida com a minha.
Dali, quase todos nós saímos um dia. Quem tem asas não se prende atrás da serra. Na mala, a colcha que a mãe fez a rapadura para adoçar a vida, um queijo para os primeiros dias. Um frio gigantesco na barriga e os olhos arregalados de medo. Medo do novo, medo daquele povo diferente, apressado. Medo da velocidade do tempo, dos carros e das pessoas. Medo do despreparo. Pena não saber, naquele momento, o quanto aquela infância havia nos preparado para a vida.
Numa dessas cidades, pequena como a minha, nasceram Juscelino's, Adélia's, Drumond's e tantos outros que se espalharam por aí. Criados com queijo e sabedoria, tias e ave-marias, se tornaram grandes homens e grandes mulheres. Tão simples e ao mesmo tempo tão ricos de sabedoria, como o lugar que cresceram.
Hoje tudo tão mudado, asfalto para todo lado, empresas chegando, pessoas também. Até poluição já chegou por lá. Dizem que isso se chama progresso, faz parte do pacote “evolução”. Eu daqui fico orgulhosa de ver que hoje, muitos já não precisam fazer como eu fiz, por lá mesmo foram reconhecidos e encontraram seu lugar.
Torço para que aquelas casas nunca desapareçam de lá e que as minhas asas jamais esqueçam o caminho do ninho.


Leila Rodrigues

De todos os meus textos, esse é o que tenho mais carinho. Talvez você que nasceu e cresceu na cidade grande entenda pouco do que eu falei aqui, mas todos nós que nascemos em uma cidadezinha do interior e um dia tivemos que deixar nossas cidades entende bem o que eu disse. Como voltar não é tão simples assim, resta-nos torcer para que o progresso chegue até lá e se instale tão sutilmente que não machuque a essência desse doce lugar!

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 24/06/2014
Arcos - Minha cidade, minha raiz!

8 comentários:

  1. Leilamiga

    Transcrevo: "Torço para que aquelas casas nunca desapareçam de lá e que as minhas asas jamais esqueçam o caminho do ninho"

    Todo o texto é excelente, mas este final é fabulástico. Continuas a escrever lindamente e Divinópolis deve estar feliz por ter uma cronista como tu. Parabéns.

    A foto também é famosa, tranquila, verde, cheia de charme. Mais parabéns para o fotógrafo Leoncio Alves

    Qjs

    Na Travessa há um texto vivido sobre a guerra colonial em Angola. Talvez gostes...

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  2. Leila, senti toda a emoção! Lindo texto e cheguei a ver aquela mala que levaste embora da cidade pequena para o mundo!

    Tomara mesmo que não mude muito por lá e que bom saber, nessa volta à cidade, que tantos outros já de lá, não precisem mais sair! beijos,tudo de bom,chica

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  3. Você sabe mexer com as emoções da gente, hein, Leila? Que texto! Mexe com gente do interior, mexe com gente da capital, faz uma reviravolta nos nossos sentimentos.
    Parabéns 1000 vezes.
    Carinhoso abraço.

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  4. Leila,

    Eu entendo cada palavra sua, cada linha de seu texto! Parece que falavas de mim... e falava, de fato, de todas nós que fizemos e mala e partimos, com o apoio e amor de nossas famílias. Querendo ficar um pouco mais, mas precisando partir o mais depressa possível, em busca dos sonhos!
    Li com lágrimas nos olhos, sobretudo a parte em que falas que mal sabíamos o quanto nossa rica infância havia nos preparado bem para o que viria depois. Como sou grata por aqueles dias perdida, num pontinho habitado, em meio a uma imensidão de lavouras! Aprendendo com a sabedoria de gente simples, que pouco falava, mas muito entendia de bem viver!
    Você me deixou emocionada... temos bastante em comum, uma pena não termos nos conhecido no curto tempo em que residi em Divinópolis!

    Beijão

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  5. Eita minha amiga tocastes profundo agora... como sempre texto limpos, frontais e que nos faz balançar na imaginação. Um enorme beijo minha querida. Uma semana de luz :-*

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  6. Leila,eu não nasci no interior mas morei um bom tempo no interior numa cidadezinha assim,bem pequena. Mesmo assim,me apeguei muito ás pessoas de lá e ao jeito simples de ser e entendo bem do que está falando nesse belíssimo texto! E hoje tem um seu no meu blog tb:
    http://recantodosautores.blogspot.com.br/2014/07/inveja-do-bem.html

    bjs,

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  7. Nasci em Manaus, nessa época,uma pequena e inesquecível cidade l946!
    Saudades do casal, recordo sempre,pois ao clube diariamente vou!
    HUGSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS
    VIVA LA VIEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE

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  8. Olá, querida
    Eu também nasci numa cidade assim...
    gostei muito do texto com muita sensibilidade...
    Bjm fraterno de paz e bem

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