terça-feira, 13 de maio de 2014

Pesquisa Infeliz





João tem seis anos, cursa ainda a educação infantil. Naquele dia era seu aniversário. E João, como toda criança de seis anos quando faz aniversário, acordou em festa. João é um menino muito comunicativo, todos do condomínio o conhecem. E curioso também!
Pela manhã ganhou alguns presentes da vizinhança. E presente para o João é coisa sagrada, não importa o valor nem o tamanho. Guardou tudo com cuidado.
Mas ele queria mesmo era a festa. Aproveitou que a casa estava cheia e partiu para a seção pergunta:
   - Papai o que é impávido colosso?
   - O quê? Impávido colosso? Bem... Impávido colosso é... Pergunta para a sua mãe.
   - Mamãe, o que é impávido colosso?
   - Aposto que foi seu pai que te mandou até aqui! É a cara dele fazer isso! Isso é hora de me perguntar uma coisa desta menino? Eu aqui atarefadíssima com a sua festa e você vem me perguntar isso! João, porque você não pergunta para a sua madrinha, ela é tão inteligente, faz faculdade. E vai te responder melhor que eu.
   - Madrinha, o que é impávido colosso?
   - Impávido colosso é aquela frase que a gente canta no hino nacional.
   - Isso eu sei madrinha.
   - Então... Assim, o que é, o que é mesmo eu não sei. Pergunta para o seu tio Nestor, ele foi professor durante muitos anos. Entende de tudo!
   - Quem é mesmo o Tio Nestor?
   - Tio Nestor é aquele que se casou com a sua tia Lalá no ano passado. Lembra? Ele foi professor durante muitos anos. Já se aposentou, mas continua inteligente. Pode ir até lá e perguntar para ele. Tenho certeza de que ele sabe a resposta.
   - Tio Nestor, o que é impávido colosso!
   - Depende! Se o pequeno se refere ao fragmento da letra do hino nacional brasileiro, escrito por Joaquim Ozório Duque Estrada, oficializado em 1922, gramaticalmente falando impávido colosso é uma hipérbole seguida de zeugma usada no texto intencionalmente para fortalecer a ideia de valentia e grandeza do então promissor país. Hoje nem colosso, nem impávido! Nada disso reflete a realidade desta nação incrédula na prosperidade.
A esta altura, Tio Nestor que já tinha tomado umas e outras se inflamou e disparou o discurso. Estarrecido com a resposta, João sai desolado da sala. De ombros baixos caminha até o seu quarto, abre o armário de brinquedos, retira o cavalinho que ganhou do vizinho pela manhã e fala quase chorando:
   - Amigo, você ia se chamar Impávido Colosso, porque eu achava esse nome bem legal. Mas a partir de agora seu nome é Totó.

Leila Rodrigues

Imagem da Internet
Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 13/05/2014

11 comentários:

  1. Uma história linda. Beijos com carinho

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  2. Ai Leila... ri com o seu "cinismo cidadão" de um país que tinha tudo para ser um "Impávido Colosso" e de repente se vê transformado em Totó!
    Sensacional, o seu humor ácido! Plenamente de acordo.
    Abraço.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Sempre lindo te ler, ainda mais, misturando humor... Triste realidade,mas!!! beijos,chica

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  5. Olá Leila,

    Tive que rir da desolação do João. Também pudera, pois a explanação do Tio Nestor, além de não ter sido nada condizente com o preparo intelectual do João, ainda foi bem desmerecedora do nome que ele pretendia dar ao seu cavalinho-rsrs.
    Genial a sua maneira crítica na abordagem do 'impávido colosso'. De fato, tal expressão perde a força que lhe quis emprestar o Hino Nacional Brasileiro diante da fragilidade com que o povo brasileiro se deixa dominar pelos governantes corruptos, que estão acabando com o nosso Brasil. Outro aspecto interessante da abordagem é o desconhecimento do próprio hino, que costuma ser entoado maquinalmente, sem que se procure entendê-lo para poder fazê-lo grande e verdadeiro.

    Excelente sua crônica.

    Beijo.

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  6. Oi Leila,

    Esqueci de dizer que fico feliz que você tenha gostado do texto sobre a 'Delicadeza' e que pretende repassá-lo. Acho importante. Obrigada!
    Beijo.

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  7. Muito bom!!!! Rimos pela forma como narrou e sentimos frustração com o sentido real apresentado pelo Tio Nestor. Melhor mesmo é dar ao cavalinho um nome apropriado. Bjs.

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  8. Que grande momento e que bela lição.
    Mas, vamos concordar, que Totó é um belo nome.
    Parabéns Leila!

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  9. Criança nem sempre é compreendida. mas é mais experta do que imaginamos.Gostei muito do teu texto, belo como todos os teus textos.Bjs Eloah

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  10. rss, adorei, Leila. Totó sem dúvida ganhou minha simpatia.
    Impávido colosso... tá bom. Nunca vi um hino tão lindo, chega a arrepiar, mas não casa bem por aqui, não? Há anos que esqueci a letra...

    Beijos!

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  11. Leila, que texto!

    O nome - Impávido Colosso - até que era bonito, imponente, forte. Mas de que adianta se o 'cavalinho' tem mesmo cara de Totó? O problema é a decepção do Joãozinho...

    Beijão

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