sábado, 26 de setembro de 2015

Dias tortos



Perdi a hora. E desta vez não foi culpa do despertador, nem do el-niño, nem do governo. Assumo que a culpa foi toda minha. O problema é que perder a hora em plena segunda-feira tem um efeito dominó que, se não cuidarmos, pode derrubar até a sexta-feira. 
O jeito foi correr contra o tempo. Banho "no automático”. Enquanto a água descia eu tentava, ainda sonolenta, refazer a agenda do meu dia. Tenho que desmarcar aqui, remarcar acolá. Por um triz não escovei os dentes com o creme de cabelo. Foi salva pelo meu olfato.
Café da manhã nem pensar! E se tem uma coisa que me deixa mal-humorada é não tomar café da manhã. Mas como compromissos tem prioridade, esquece o café e vai.... Então parti para o segundo obstáculo do dia, o trânsito. Trânsito parece que tem uma conexão direta com os astros, o trânsito sempre sabe quando estamos com pressa. Somente em dia de pressa você pega um engarrafamento ou o seu trajeto é interrompido por uma obra. Comigo não foi diferente! Naquela manhã, entre a minha casa e o meu compromisso, eu cruzei com todos os obstáculos possíveis e imagináveis. 
Tentei cantar, mas a cabeça preocupada com o atraso não conseguiu lembrar as letras das músicas. Tentei pensar em brisa, natureza, cachoeira, mas como pensar nisso se o relógio corria e o meu dia escorria junto? Então pensei no Dalai Lama. Será que ele já perdeu a hora alguma vez na vida? Será que já teve de correr senão ia perder um voo, uma palestra ou um compromisso importante? E o Papa Francisco? Será que alguma vez escovou os dentes na correria? Imaginei como os dois reagiriam diante de tal cenário. E a resposta que eu tive foi os dois rindo de si mesmos e seguindo em frente na mesma toada de sempre. Nem mais rápido, nem mais lento. Do jeito que é possível ser.
Então ri de mim e relaxei no banco. Virei a esquina da rua Sete de Setembro, para variar não tinha lugar para estacionar, o que piorava a minha condição de atrasada. Dei uma volta no quarteirão, encostei rapidamente e embora eu tentasse me controlar, entrei esbaforida no consultório. Antes mesmo de eu abrir a boca para falar do meu atraso a secretaria sorri para mim e me diz "fique tranquila Dona Leila, o próximo cliente cancelou, o horário é todo seu"! Coincidência ou não, quando olhei para o lado me deparei com o Papa Francisco na capa de uma revista. Olhei para a foto e pisquei para ele. Valeu! 

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos

Imagem da Internet

sábado, 19 de setembro de 2015

Pelo direito ao "off"



É domingo de manhã. Estou com meus pais, meus irmãos e sobrinhos. O cenário é a cozinha da minha mãe. O lugar mais simples e mais acolhedor que eu conheço. Ela faz o café de sempre e começamos a conversa. Sem roteiro, sem cerimônia, sem segundas ou terceiras intenções. É em um desses momento que eu decididamente exerço o meu direito de ficar off. 
Sim eu quero o direito de permanecer desligado ou de ligar-me quando eu bem entender. Quero o direito de curtir os meus amigos, meus discos e livros dentro da minha casa ou onde quer que queiramos, desde que seja apenas entre nós. Quero o direito de praticar o verbo curtir e compartilhar através de abraços e olhares. 
Quero ouvir a voz dos meus verdadeiros amigos. Quero um abraço de verdade no dia do meu aniversário. Quero olho no olho. Quero pele, calor, abraço, risada. Quero tocar, sentir, cheirar e saborear meus momentos. Quero o mais comum dos presentes, presença! Quero comer, beber, dançar, cantar e ser feliz sem necessariamente divulgar os meus momentos. Nada contra quem o faz. Cada um usa seu espaço tecnológico como lhe convém. Mas não me cobrem uma exposição que não faz parte dos meus princípios. Admiro e me divirto com quem o faz por livre e espontânea vontade e não para angariar curtidas como se fossem ações da bolsa. 
Eu já sei que a tecnologia é um caminho sem volta, também sou uma cidadã que usufruiu de todas as possibilidades tecnológicas mas daí a me tornar uma pessoa  alienada que não é capaz de  desgrudar do celular nem para ir ao banheiro já é demais! E ainda que eu use a tecnologia para tantas coisas boas e interessantes, que eu tenha o direito de não me expor, que eu respeite os limites que eu um dia coloquei para mim. E que o meu padrão de escolha seja respeitado pelos demais. 
Quero dizer eu te amo para quem eu amo ouvir. Quero o direito de passar um dia desconectado do mundo e conectado às minhas raízes, aos meus filhos, enfim, às minhas escolhas.  Que a minha falta de jeito com fotografia seja respeitada e que eu continue tendo o direito de aproveitar as minhas viagens sem narrá-las como se fossem um programa de viagens da TV. 
Então se eu tiver off e não participar da sua conversa do seu post ou do seu grupo, respeite o meu direito de conexão privada comigo. Não me cobre um filme da minha vida, porque eu estou ocupado demais vivendo! 


Leila Rodrigues

Imagem da internet

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Nunca me outono



Você pode achar que é arrogância. Na minha adolescência eu também achava os adultos arrogantes e prepotentes. Mas hoje, que já passei dos trinta, dos quarenta e muito provavelmente da metade da minha vida, posso te garantir que não é arrogância. É apenas um silencio estranho que passei a cultivar dentro de mim. Os questionamentos continuam, mas são muito mais meus do que de qualquer pessoa. Não se faz mais necessário gritá-los por aí. Hoje já não me importo mais com a marca do seu jeans, mas me importo sim se eu perder a minha aula de yoga. Não me interessa mais quantas curtidas eu tive, quantas festas serei convidada ou quão correto está o meu look. Chega a ser engraçado, mas algumas coisas que antes eram tão importantes se tornaram relevantes sem que eu tenha acionado nenhum botão mágico. Eu hoje espero a minha violeta florir com a mesma alegria que na minha adolescência eu esperava na janela o moço louro passar. E decididamente me proponho a guardar todo meu dinheiro para fazer uma viagem e deixar para trás todas as coleções maravilhosas de sapatos sem comprar um par sequer. Hoje me interessa  saber se aquele meu amigo está feliz morando sozinho em Floripa ou se a minha cachorra dormiu bem depois de parir. E sou capaz de passar horas procurando atentamente a palavra certa para meu novo haicai. Você pode até achar que eu não tenho mais uma opinião formada sobre política, corrupção ou o mensalão. Engano seu, eu continuo com a cabeça cheia de opiniões, ideias e projetos, apenas não tenho mais a pretensão de mudar o mundo. Se eu conseguir mudar-me, já me sentirei vencedora.
Você pode até achar que eu estou me curvando ao tempo. Eu acho mesmo que o tempo andou mexendo com a gente. Perdi a pressa de chegar. Terá sido porque já cheguei?  Ou simplesmente porque hoje espero a primavera saboreando os ipês? Passei tanto tempo correndo atras de um lugar, que perdi as estações que me conduziam. Hoje choro não tê-las contemplando um pouco mais. Mas ainda me resta a próxima estação e isto é o que importa. Nunca me outono e sempre hei de cultivar uma primavera dentro de mim. Por mais cinza que esteja o tempo aqui fora, por mais chuvoso que tenha sido viver depois que ele se foi, por mais frio que seja viver sozinho, eu insisto em fazer em mim um sol pleno e nunca há de faltar flores para a minha janela. Nunca me outono. Jamais!

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis e no JC Arcos

Imagem e título da minha amiga querida Elisa Campos. 

Elisa é daquelas raras pessoas que parecem ter alma de pássaro tamanho a leveza. Não a conheço pessoalmente, mas sinto-a tão sensível quanto seus haicais, tão leve quanto o voo de um pequeno pássaro, tão meiga quanto uma flor. Elisa querida, obrigada por fazer parte da minha rede de amigos especiais (nem digitais, nem virtuais), especiais porque fazem os meus dias mais coloridos.