E de repente, sem nenhum sinal aparente, algumas coisas perderam o sentido. Não houve um aviso sequer, nem do vento, nem da chuva, nem dos deuses. Também não se pode dizer que ela acordou mudada ou que ele amanheceu assim e foi dormir assado. Eles mudaram. É fato! E só se deram conta depois de mudados. Tudo aconteceu tão serenamente que ninguém notou. Ou se notou, ficou calado, observando a felicidade que pairava nos atos.
Ela agora gosta de ficar na janela, observando o horizonte. Ele passou a gostar do cachorro que agora chama de amigo. Ela parou de ver novelas, ele tem gostado de poemas e emprestou a ela um livro do Drummond. Ele experimentou a corrida, ela a yoga e juntos eles descobriram o prazer de uma taça de vinho antes do jantar.
Ela não pinta mais os cabelos, ele deixou a barba crescer, tá usando. Ela descobriu que vestidos são femininos e confortáveis, ele voltou a usar o chinelo de couro. E juntos eles planejam a próxima viagem.
Tem dias que ela acorda muito cedo, tem dias que ele faz o café. E quando chove eles ainda discutem sobre quem vai buscar o pão. Eles continuam gostando de rock, mas ela não perde a chance de ouvir um Belchior e cantar junto. E ele jura que ouve Anitta por causa da voz.
De manhã ele gosta de silêncio, à tarde eles sempre tomam um chá. De vez em quando eles saem para dançar. E volta e meia enchem a mesa de amigos.
As plantas estão mais bem cuidadas e o controle da TV sumiu tem 5 dias. Ela adotou um gato e eles já não pensam mais em voltar para São Joaquim.
Será que foi a calmaria que chegou sem avisar? Será que foi o tempo que colocou cada sentimento no seu devido lugar? Nenhum dos dois nunca parou para perguntar e nem para responder. Perguntas e respostas também perderam um pouco o sentido. Certamente foi o cansaço que deixou a simplicidade entrar pelas frestas das poucas horas de lucidez. Cansados de correr atrás das coisas decidiram andar lado a lado com as pessoas que lhes são importantes, a começar um com o outro. E o tempo que corria atrás do tempo, pedindo mais tempo para dar conta de tudo cedeu seu lugar ao tempo de deixar a vida acontecer.
Ainda há que existir conquista, ainda há que existir perdão, ainda há que existir uma surpresa, um carinho ou um gesto que traga à tona aquilo que os sustenta. E enquanto estiverem juntos, eles terão o que conquistar a cada amanhecer. O fato é que a cada dia eles se reinventam e é isto que lhes dá o sustento.
Eu só posso dizer que admiro aqueles dois e que foi assim, nas quase imperceptíveis mudanças de cada um, que aquela casa no fim da rua Delfinópolis, com paredes carmim e flores na varanda, experimentou a coragem de ser feliz!
Leila Rodrigues
Imagem da Internet
Publicado no Jornal Agora e no JC Arcos
Olá pessoal,
Hoje quis falar do amor que já dobrou a serra, das relações que passaram dos 10 anos juntos. Aquele amor que não está nos poemas mas está no fundo do coração. Aquele relacionamento que muita gente acha sem graça mas é o que verdadeiramente sustenta as famílias e coloca os filhos no mundo. Esses casais que enfrentaram o tempo, as dificuldades e a dura tarefa de criar os seus filhos, precisam ser reverenciados. Eles são as nossas raízes e é para eles o meu abraço, o meu respeito e o meu carinho hoje.
Grande abraço
Leila Rodrigues
Ah! Que delícia de "recuerdos", Leila! Vivi 33 anos lado a lado com meu grande amor! Momentos ternos!Saudade boa e feliz!
ResponderExcluirAbraço.
Como é simples a paz; e difícil ao mesmo tempo. Quando se tem consciência que a paz do outro é a nossa também, tudo fica fácil, mas isso requer sabedoria... é pra poucos. Parabéns pelo texto.
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