Novela mexicana
Todo dia, tudo
de novo. A grande luz desponta no horizonte e lá vamos nós, pequenos soldados,
começar tudo outra vez. Levantar, trabalhar, estudar, se alimentar, conversar,
discutir, caminhar, dirigir, escutar, falar, pagar, comprar, descansar (de vez
em quando), amar, se divertir, dormir e novamente acordar.
Os verbos não
mudam muito. Só os dias é que são novos. E por isso, capazes de renovar em nós
o ciclo do cotidiano. No fundo nossa vida nada mais é que um punhado de dias a
nosso inteiro dispor. Páginas em branco que formarão a nossa história
amanhã.
O fato é que já
nos acostumamos tanto com esses dias que não nos surpreende mais. Temos tanta
certeza de que amanhã o sol vai nascer que acabamos deixando muitas coisas para
amanhã. Mesmo sabendo que não temos nenhuma garantia de estarmos vivos
amanhã. Viramos a folha do hoje quase em branco a espera de um amanhã mais
corajoso que nos faça começar aquilo que estamos protelando há muito
tempo.
Protelar,
arrumar uma desculpa, um álibi que nos mantenha confortáveis na poltrona de
vítima das circunstâncias por mais algum tempo. É isso que fazemos com os
nossos dias. E fazemos muito bem! Fazemos tão bem que até nós mesmos
acreditamos nas nossas próprias mentiras. Conseguimos convencer a nós mesmos
que as nossas desculpas para não agir são verdades absolutas. E assim
conseguimos transformar dias, semanas, meses e anos em nada.
Tal qual uma
novela mexicana, remoemos velhos guardados que não vão nos acrescer em
absolutamente nada; apegamo-nos em fatos que já se foram e ficamos agarrados ao
passado como se este pudesse vir à tona e acontecer de novo. Páginas que não
foram viradas, passados mal resolvidos que emperram nossas vidas de
acontecerem. Esquecemo-nos de que hoje o
contexto é outro, o cenário é outro e nós não somos os mesmos de ontem.
Não precisa que
escrevamos um livro a cada dia com a nossa história, mas é preciso fazer nossos
capítulos. Uma palavra, uma decisão, uma atitude e todo o resto pode ser
completamente diferente. Não importa quanto nos resta de tempo para usufruir a
vida, importa o que vamos fazer com este tempo.
Aquele curso
interessante, a academia, a consulta no especialista, a viagem dos sonhos, a
carreira, a visita àquele amigo querido, a aventura com o filho, o último livro
que você ganhou... Enfim, a nossa lista de perdidos no esquecimento é
gigantesca! Qual será o tamanho da fila de espera de nossas vidas?
Conheço pessoas
idosas cheias de vigor e jovens vazios de viver. A idade cronológica não
determina nada na intensidade da vida. É preciso muito mais que tempo para
usufruir com dignidade a oportunidade de nossa existência. É preciso amar o
fato de estar aqui, presente neste instante, neste lugar, nestas
circunstâncias.
É triste ver um
jovem morrer, sempre imaginamos o quanto ele ainda teria para fazer nesta vida.
Mas é mais triste ainda ver pessoas envelhecerem sem terem experimentado, sem
terem sequer tentado, ou seja, sem terem realmente vivido.
Leila Rodrigues
Imagens da internet
Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 07/05/2013