Pela janela eu vejo a água descendo rio abaixo. Ainda chove. E a
força da correnteza é como uma avalanche líquida que segue desembestada
ocupando todos os espaços que encontra pela frente. Penso nas minhas plantas.
Penso nas pessoas que moram à beira deste mesmo rio, alguns aqui bem perto e
outros que eu nem sei precisar. Minha mulher já reclamou que as roupas não
secam. Meus filhos me dizem que não tem o que fazer nas férias e percebi que
até o meu cachorro anda ressabiado.
Há dois anos atrás, eu, este mesmo cidadão que voz fala, vi
desta mesma janela este rio secar a cada dia. Chorei sua seca e a morte
anunciada de tudo que vivia e dependia do rio. Sequei-me de tristeza junto com
o rio naquela ocasião. E agora cá estou eu, preocupado com o estrago das águas
ao redor de mim. É da natureza humana querer tudo certo, tudo bonito, tudo no
seu devido lugar! Queremos filhos lindos e perfeitos. Queremos parceiros
compreensivos e amáveis. Queremos um jardim sempre verde, tardes sempre
tranquilas e por-do-sol de fotografia de segunda a segunda.
Perdoa-me Deus. Perdoa-me pelo meu despreparo para as
adversidades. Queria eu que a água caísse mansinha, na quantidade certa para
encher os rios, encher os potes e as minhas necessidades mundanas. Queria eu
que o sol nascesse a cada manhã para secar as roupas no varal, fortalecer a
plantação e nos aquecer na medida certa para trabalhar. Oh pobre mortal e
ignorante que sou. Eu que a cada dia acordo com um humor diferente. Eu, que
nunca me dei conta do uso indevido que fiz da água durante praticamente toda
minha vida! Eu que nunca pensei antes de cortar mais uma árvore do caminho. Eu
que usei sem medidas a terra que me deste estou aqui pedindo consenso à mãe
natureza. Eu deveria aprender que a normalidade dos dias só serve para
acariciar a minha mesmice e me manter fincado no mesmo lugar. Aprender que as
adversidades me ensinam novas possibilidades. Aprender que as vezes é preciso
secar a minha pretensão junto com a seca ou deixar que o meu orgulho
escorra na correnteza do rio.
Que seja feito o que tem que ser feito, que tudo chegue no seu
tempo e que eu consiga enxergar o tempo bom na chuva que cai. Foi preciso uma
seca para eu entender como deveria usar a água, foi preciso uma enchente para
eu doar coisas que não me serviam mais. O que será mais que eu preciso para
aprender a ser uma pessoa melhor?
Leila Rodrigues
Publicado no Jornal Agora
Divinópolis em 19/01/2016 e no JC Arcos em 23/01/2016
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