quarta-feira, 27 de junho de 2012

O começo do fim





Já não lembro mais o que nos uniu
Mas sei de cor o que nos separa
Distantes 
Debaixo do mesmo teto
Dormindo no mesmo quarto
Silêncio
Nada a dizer, nada a ouvir
Tudo a dividir
Seria esse o começo do fim?

Dois mundos...
E os mesmos filhos
Os mesmos móveis
A mesma foto na parede

Por onde começar?
Rasgando a foto
Rasgando o verbo
Ou simplesmente recolhendo os cacos


Leila Rodrigues
Imagem retirada da Internet

terça-feira, 19 de junho de 2012

A primeira vez outra vez



Enquanto ele dormia o sono dos justos, fui escorregando dos seus braços até sair completamente da cama. Como uma serpente. Silenciosa. De pé, procurei as minhas roupas espalhadas pelo chão e caminhei até o banheiro. Encostei tão devagarinho a porta que nem eu ouvi. Fechei-me.
Olhei no espelho e fiquei me observando por alguns minutos. O que é que eu estava fazendo ali? Eu não me reconhecia naquela mulher.  Eu não sabia se chorava de vergonha ou se ria da minha coragem. E sabia que vergonha e coragem não cabiam na mesma frase.
Vergonha de começar tudo de novo. Vergonha de uma primeira vez, outra vez. Não vergonha de mim ou da minha decisão. Talvez a palavra certa fosse timidez mesmo. Timidez de quem ficou tanto tempo guardada em si mesma, que o lugar do outro já havia empoeirado, perdido a poesia. Vergonha dos meus filhos se me vissem naquela hora. Vergonha de ter tido coragem.
Mas ao mesmo tempo um riso leve comemorava a minha, também tímida, coragem. Coragem de permitir que alguém entrasse em minha vida, depois de tanto tempo de portas fechadas. Coragem de assumir que eu também quis aquele momento. Coragem de estar ali, coragem de viver de novo um momento adolescente. Coragem de assumir as minhas vergonhas.
Ali estava eu, fechada no banheiro, com vergonha de encarar de novo aquele mesmo homem que há pouco me fizera tão feliz. Desejei ter asas, desejei desintegrar-me, desejei que tudo voltasse ao normal. Meu quarto, meus livros, meu gato e minha velha xícara de café. Mas só tinha mesmo um banheiro todo bege, sem dono, sem identidade e um homem dormindo do lado de lá. Lembrei-me de quando eu fugia da escola. Era tão fácil, tão rápido. Tive vontade de ser de novo aquela criança e fugir correndo daquele lugar. Uma vontade boba, ingênua. Comecei a rir de mim. Rir da minha criancice, da minha saída ridícula pela tangente. 
Olhei para o lado e ele estava me olhando. Levei tanto susto que comecei a gargalhar. De aperto, de timidez, de vergonha e de coragem. Minha boca já não tinha o batom de ontem, meus brincos estavam dentro da bolsa e meus cabelos já não eram os tão lisos que ele tocou. Ainda assim ele me olhou querendo mais um pouco de mim. Em plena luz do dia, sem a noite para camuflar com os seus efeitos e sem o vinho para levitar nossas intenções. Existe algo mais encorajador que isso?
 Não dava para fugir naquela hora, mas foi possível continuar a brincadeira e fazer dela a melhor diversão.

Leila Rodrigues
Imagen retirada da Internet

terça-feira, 12 de junho de 2012

Falando de amor


Promete que se eu falar de amor você não vai rir de mim? Não vai dizer que isso é coisa de adolescente? Nunca fui ligada a datas, mas hoje me deu vontade de falar de amor. Prometo não ser utópica, nem falar de eternidade. Não confundo amor com paixão. Hoje eu sei separá-los muito bem.  Eu já passei da fase de escrever frases no fim do caderno contornadas de coração. Hoje nem tenho mais caderno e meus desenhos de coração não seriam mais tão redondos quanto aqueles. 
Não que o romance tenha morrido, ele ainda vive, apenas intimidou-se. O romance mora no olhar que cruzamos e dispensa palavras, na mão que encontramos debaixo da mesa, no beijo no elevador, no momento em que você tenta, desajeitadamente, acalmar meus cabelos esvoaçantes. 
O amor que quero falar é este que faz com que eu queira que o tempo passe logo para te contar como foi interessante a aula de economia. É quando não consigo planejar uma viagem sem colocar você ou quando fico orgulhosa dos nossos filhos se parecerem tanto com você.
Não quero falar de amor depois que você se for. Não quero chorar pelos cantos declarando ao acaso os poemas que deixei de dizer para você. Não quero buscar você nas flores ou no canto dos pássaros sem antes buscar a sua carne e o seu osso nos dias comuns.  Não quero provar da saudade como prato principal, porque eu mesma não saboreei a ceia da tua presença.
Dizem que o cotidiano é o devastador do amor. Que de tão comum, vamos decorando o outro e aí o romance se esvai. Eu acredito nisso, mas insisto em  fazer o jogo inverso. Quero que o cotidiano se alimente de nós dois, de tal forma que é ele quem vai ficar viciado em nós! 
Então falar de amor será falar a nossa língua, nosso código, nossas besteiras diárias. Apenas isso. 
Que a poesia de Fernando Pessoa se incorpore em nossas vidas e dizer seja desnecessário para nós dois.

Leila Rodrigues




Olá pessoal,

Atendendo ao pedidos dos amigos, vou repostar alguns textos que selecionei.
Falar de amor é algo muito difícil. O amor é peculiar. O amor é de cada um. O amor no começo é um, no dia-a-dia é outro e no final é outro completamente diferente. Hoje estou falando do amor cotidiano, do amor que acorda cedo e não tem tempo para declarar-se. Do amor rodeado de filhos, livros e afazeres. Apesar das tantas ocupações ele existe e está presente em cada instante. E foi exatamente isso que eu quis dizer no texto acima.
Também não poderia deixar de agradecer a todos que estão compartilhando os textos nas suas redes sociais e multiplicando o número de leitores do palavras. Muito obrigada a cada um de vocês. É assim que o Palavras está crescendo. Naturalmente. Como deve ser.

Grande abraço 


Leila Rodrigues