Enquanto ele
dormia o sono dos justos, fui escorregando dos seus braços até sair
completamente da cama. Como uma serpente. Silenciosa. De pé, procurei as minhas
roupas espalhadas pelo chão e caminhei até o banheiro. Encostei tão devagarinho
a porta que nem eu ouvi. Fechei-me.
Olhei no espelho
e fiquei me observando por alguns minutos. O que é que eu estava fazendo ali?
Eu não me reconhecia naquela mulher. Eu não sabia se chorava de vergonha
ou se ria da minha coragem. E sabia que vergonha e coragem não cabiam na mesma
frase.
Vergonha de
começar tudo de novo. Vergonha de uma primeira vez, outra vez. Não vergonha de
mim ou da minha decisão. Talvez a palavra certa fosse timidez mesmo. Timidez de
quem ficou tanto tempo guardada em si mesma, que o lugar do outro já havia
empoeirado, perdido a poesia. Vergonha dos meus filhos se me vissem naquela
hora. Vergonha de ter tido coragem.
Mas ao mesmo
tempo um riso leve comemorava a minha, também tímida, coragem. Coragem de
permitir que alguém entrasse em minha vida, depois de tanto tempo de portas
fechadas. Coragem de assumir que eu também quis aquele momento. Coragem de
estar ali, coragem de viver de novo um momento adolescente. Coragem de assumir
as minhas vergonhas.
Ali estava eu,
fechada no banheiro, com vergonha de encarar de novo aquele mesmo homem que há
pouco me fizera tão feliz. Desejei ter asas, desejei desintegrar-me, desejei
que tudo voltasse ao normal. Meu quarto, meus livros, meu gato e minha velha
xícara de café. Mas só tinha mesmo um banheiro todo bege, sem dono, sem
identidade e um homem dormindo do lado de lá. Lembrei-me de quando eu fugia da
escola. Era tão fácil, tão rápido. Tive vontade de ser de novo aquela criança e
fugir correndo daquele lugar. Uma vontade boba, ingênua. Comecei a rir de mim.
Rir da minha criancice, da minha saída ridícula pela tangente.
Olhei para o
lado e ele estava me olhando. Levei tanto susto que comecei a gargalhar. De
aperto, de timidez, de vergonha e de coragem. Minha boca já não tinha o batom
de ontem, meus brincos estavam dentro da bolsa e meus cabelos já não eram os
tão lisos que ele tocou. Ainda assim ele me olhou querendo mais um pouco de
mim. Em plena luz do dia, sem a noite para camuflar com os seus efeitos e sem o
vinho para levitar nossas intenções. Existe algo mais encorajador que isso?
Não dava
para fugir naquela hora, mas foi possível continuar a brincadeira e fazer dela
a melhor diversão.
Leila
Rodrigues
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