sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Dia de filha




Olá pessoal,

De todos os laços que criamos, nenhum deles consegue ser mais forte do que o laço que criamos com nossas famílias. É algo que vai muito além do que se pode explicar.
Este texto eu dedico a todos os casais que se propõem a formar uma família. De todas as missões que temos na vida, esta é, sem dúvida a mais espetacular delas.
Aos meus queridos e amados pais (Sr. Déco e Dona Neusa) a minha eterna gratidão por ter vindo a este mundo através de pessoas tão nobres como vocês.
Dia de filha, uma gota de alegria na vida de quem mora longe dos seus.
Boa leitura a todos!
Abraços

Leila Rodrigues

  Dia de filha


Depois da curva tem um flamboyant. Que nesta época do ano, quebra o verde do mato com seus tons de fogo. Meu coração se alegra quando passo. E me imagino deitada no chão coberto de flores... Ah! Tudo podia ser tão mais simples!
Deixo o flamboyant para trás e sigo firme na estrada. As primeiras construções começam a surgir entre as serras. E o meu coração parece o flamboyant que deixei na estrada. 

É cedo. Muito cedo. A cidade pequenina mal começa a acordar. Quero chegar com o aroma do café coado na hora. E o cheiro de biscoito frito ainda recendendo pela casa.
Só de lembrar que hoje não tenho que usar salto, nem maquiagem e que meus cabelos podem seguir o vento sem culpa, já me sinto descansada.

De todos os hotéis que já visitei neste mundo, este é sem dúvida o que eu pagaria qualquer quantia para me hospedar. De todas as cidades lindas e maravilhosas que eu conheço nenhuma delas toca meu coração como aquela placa velha de boas vindas que no meu primeiro baile eu dormi abraçado a ela. Minha cidade. Minha infância. Meus pais.

Quando entrei na casa de piso frio, no meio do silêncio da manhã e dos primeiros raios de sol, os dois conversavam tranquilos sobre o pé de acerola que precisava ser podado. Fiquei parada em silêncio, ouvindo uma aula de 52 anos de união. Ela ainda põe mais açúcar no café dele. E ele, espera ela se assentar do seu lado para começar o café da manhã.  Há tempos não dizem que se amam, há segundos se falaram com os olhos.

O susto com a minha chegada interrompeu o momento mágico. Seus olhinhos brilhantes reforçaram em mim a certeza de ter feito a escolha certa. Aqui estou eu para viver dois dias de filha. Dois dias sem cliente, sem fornecedor, sem CNPJ, sem meta, sem trânsito. 

Dois dias para comer banana frita sem me lembrar do endocrinologista. Dois dias para ser apenas a filha deles. Dois dias para relembrar o quanto tudo é tão simples e tão pequeno. Dois dias para ser de novo a menina que adora abóbora com carne de sol. Dois dias de criança no meio da minha vida tão adulta.

Faltam-me as tranças de tempos atrás e as canelas finas que subiam nas árvores. Sobra-me disposição para ouvir a mesma história pela décima vez e a discussão dos dois sobre o padre que fez meu batizado. Eles cochilam no meio da conversa e agora sou eu que os coloco para dormir. 

Tudo passa tão rápido. Se será pouco ou muito não sei precisar. Mas te digo que serão dois dias mágicos. Dois dias para lembrar de novo todas as histórias que eu fui protagonista e nem me lembrava mais.  A criança que um dia foi no tororó beber água e não achou, retorna à fonte e descobre a verdadeira magia desta água. 

Nem ouse em me tirar daqui, porque eu só volto depois de me afogar.

Leila Rodrigues
Imagens da internet

domingo, 20 de janeiro de 2013

O relógio




Olá pessoal,

Este texto escrevi há alguns dias para o meu amigo Manuel Montijo do blog http://navoltadotempo.blogspot.com.br/ . Manuel é daquelas pessoas que parece que eu já conheço há anos. Um velho amigo como dizemos por aqui.
A todos os velhos amigos que a distância não nos permite abraçar, mas que as afinidades nos mantêm unidos, dedico este texto, O relógio.
Abraços a todos
Boa leitura!

Leila Rodrigues


 O relógio


Até que veio me visitar o Manuel. Sim aquele meu velho amigo de Portugal, escritor dos bons, com quem gosto de tirar uns dedos de prosa. Contou-me o Manuel que estava triste naquele dia, pois procurava respostas para algumas perguntas difíceis de responder.

Então lhe contei esta história. Fato verídico meu caro amigo. Acontecido comigo mesmo, este seu amigo de muitos anos. Contar-lhe-ei apenas para que você não procure mais respostas, pois que estas chegam por si.

Certa vez, ganhei um relógio. Quando abri a caixa e vi que o presente era um relógio, fiquei alguns minutos parado, observando, sem saber o que dizer.
- O relógio é lindo! Uma peça de colecionador. Obrigado.

Explico a minha reação. Eu nunca usei um relógio na vida. Ou melhor, usei sim, dois dias quando eu estava no colégio e comecei a chegar tarde demais para o almoço. A minha mãe me deu o relógio, aquele até então único que eu havia usado. O objetivo era que eu não me demorasse mais para o almoço. Mal sabia a minha mãe que eu saia correndo da escola para encontrar com a Eliza, filha da Diretora da escola que estudava na escola particular a duas quadras da minha escola... Coisa de adolescente.

Depois teve a fase do banco que tínhamos hora marcada para chegar, mas nunca para sair. Todo bancário é escravo de relógio, mas eu me habituei tanto a me guiar pelo movimento dos meus amigos dentro do banco, que nem assim eu tomei gosto pela peça.

Depois vieram o celular, o relógio no computador e cada dia mais o relógio de pulso foi se tornando desnecessário. Pelo menos para mim.
Mas eu acabara de ganhar um relógio da minha filha que chegou de Londres. Um relógio lindo, uma peça rara. E agora?
Não usá-lo desagradaria e muito a minha filha; usá-lo desagrada minha doce mania de não gostar de relógio. O que fazer?

Coloquei o relógio no meu criado mudo para incentivar uma discussão comigo sobre o uso ou não do dito cujo.  Toda noite eu olhava para ele e pensava, amanhã eu usarei. O amanhã chegava e nada de eu criar coragem e colocar o relógio no pulso. O problema é que eu nem sequer tentava. Imaginava que ele seria pesado, que ia me incomodar, que eu ficaria suado debaixo dele e isto poderia ser muito desconfortável, enfim, não me faltaram fundamentos para o não uso da peça.

Enquanto eu não me decidia, fui para a minha janela observar o movimento da cidade, como o faço todas as tardes. Lá embaixo, um jovem sem os dois braços atravessa a rua.  Observei em silêncio. Em silêncio entrei em casa e ainda em silêncio coloquei o relógio. Está no meu pulso até hoje e a minha filha ficou feliz que só.

Leila Rodrigues
Foto retirada da internet do relógio que pertenceu ao guitarrista Eric Clapton, leiloado em novembro de 2012

domingo, 13 de janeiro de 2013

Entre quarta e quinta de uma semana qualquer









Olá pessoal,

Esta semana alguém me disse que poesia é coisa de gente louca. Respondi com um sorriso. Um sorriso louco.

Abraços a todos e boa leitura!


Leila Rodrigues


Entre quarta e quinta-feira de uma semana qualquer



É tarde
E aqui dentro de mim, me parece tão cedo
Cedo para escolher, tarde para começar

É tarde
E enquanto todos dormem
Eu acordo as minhas verdades sonolentas

É tarde
Para sair correndo daqui
E tão cedo para despertar meu coração adormecido

É tarde
Tarde demais para gritar seu nome
E o silêncio acordou minha vontade de dizer

É tarde
Tarde demais para começar agora
Melhor dormir que o amanhã começa sempre na mesma hora

Leila Rodrigues

Imagens da Internet - São Paulo à noite

sábado, 5 de janeiro de 2013

Quero ser passarinho








O sol nem quis aparecer.  Mas eles vieram cantar mesmo assim. A comunidade de pássaro-preto que encanta as minhas manhãs não faltou. 

Eles são muitos. Imagino que seja mesmo uma comunidade. A chuva e os primeiros barulhos do dia começam a interferir na melodia. Mas eles não param. Continuam cantando no mesmo tom, no mesmo ritmo. Essa capacidade de não parar frente às adversidades me comove. Todo dia, na mesma hora, eles entoam suas melodias. Faça chuva ou faça sol. Sem atraso. Com plateia ou sem plateia, eles cantam. 
Gostaria de ser tão disciplinada assim. Gostaria de ser evoluída o bastante para seguir com meus propósitos mesmo diante das adversidades. Ainda não sou pássaro. Ainda dependo de um despertador para me acordar. 

Dizer não para a disciplina é a nossa forma de reafirmar que ninguém nos manda. É a forma de cada um exercer a sua soberania particular. É a velha e boa teimosia de todos nós. 
Somos todos teimosos.  Teimosos camuflados pelos predicados. Para facilitar o entendimento, cada um chama do nome que acha mais bonito. Uns dizem que são "de opinião", outros preferem dizer que são obstinados, resistentes, persistentes, decididos, resolvidos e ainda há os que dizem que são determinados. Mas somos mesmo teimosos.

O problema é que ao crescer, travamos uma eterna briga entre o eu e o eu mesmo que existe em nós. E é esta briga que faz de nós pessoas teimosas, resistentes às mudanças, resistentes ao que é saudável, resistentes ao que é necessário e muitas vezes, resistentes à felicidade. Brigamos tanto para que tudo seja feito do nosso jeito, que às vezes, brigamos para sermos infelizes. Brigamos para fazer do nosso jeito mesmo quando sabemos que não é o jeito certo.

Quando jovens, brigamos com o tempo, brigamos porque queremos tudo e tudo de uma só vez. Brigamos com nossa ânsia em querer que o tempo passe mais depressa. Juventude e disciplina não encontram um denominador comum. Queremos que o mundo fale a nossa língua, mas não falamos a língua de ninguém. 
Depois que a juventude passa, a briga continua. O inimigo não é mais o tempo, nem a ânsia.  Não queremos tudo. Aliás, queremos cada vez menos. Queremos menos regras, menos complicação, menos gente, menos coisas. Menos ordens principalmente. E temos que brigar por tudo isso. Maturidade e disciplina continuam sem chegar a um denominador comum. 

Pagamos caro por não cumprir os acordos que fizemos conosco. A saúde exige disciplina, o trabalho exige disciplina, a evolução exige disciplina e não queremos nada disso. Queremos não cumprir ordens. Queremos fazer nossas listas e cumprir quando bem entendermos. Queremos ser livres. Dizemos por aí que queremos ser livres como os passarinhos. Será mesmo?


Leila Rodrigues
 
Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 27/11/2012
Foto do blog Recanto dos Pássaros: http://belos-passaros.blogspot.com.br