sexta-feira, 18 de março de 2011

A dieta

Bastou um olhar diferente dele, para uma parte malquista que ela tem no corpo, localizada entre os peitos e o ventre, para, no dia seguinte a sua vida mudar completamente.
A primeira tarefa seria terminar de vez o relacionamento que mantinha há anos, com o pão de queijo e o café com leite. Dificílimo, mas ambos tinham que entender que aquele triângulo amoroso um dia não ia acabar bem. 
O segundo passo era suprir a dispensa de munição suficiente e adequada para a guerra. Voou para o supermercado e se esbaldou. Linhaça dourada, leite de soja, pó de feijão branco, lactobacilos vivos, mortos, ou agonizantes e ainda 25 tipos de sopas instantâneas e maravilhosas ligth, diet, e todas o ight que ela viu pela frente. A cada item que pegava, imaginava um número a menos no manequim. Quando viu a conta, teve aquela secreta vontade de trocar tudo por batatas chips, biscoitos recheados e refrigerantes. É certo que ficaria muito mais em conta; sorriu amareladamente para a moça do caixa e pagou. Precisava transparecer que já estava acostumadíssima  com aquela cesta básica, nada básica.
Hora do almoço. Encheu o prato de alface e foi caminhando por aquele corredor infinito de possibilidades pecaminosas fingindo-se de cega, surda, muda e saciada. Chegou na carne, sua grande perdição. Serviu-se de um frango grelhado desbotado. Olhou para "aquilo" como se o coitado estivesse muito doente. Novamente aquele risinho, agora deliberadamente amarelo brotou-lhe dos lábios.
E assim passou o seu primeiro dia, contando cada ml de água pra chegar nos dois litros recomendados; não apareceu no cafezinho e ainda passou no mercadinho pra pegar umas frutas fresquinhas como acompanhantes noturnas.
Quando entrou em casa, experimentou o ápice de sua saga. A geladeira, aquele aparelho até então companheiro de suas ansiedades,  aflições, alegrias e demais devaneios, havia se transformado num monstro de sedução. Cantava, assobiava, e não é que a danada parecia até dar uma reboladinha convidando-a para abrir as portas da esperança. Aquilo sim era uma tortura russa. Resistir a abrir aquela porta. Imaginava o presunto dormindo geladinho lá dentro, o queijo canastra, a mousse de chocolate... Isso sem falar nos líquidos. 
Não suportou tamanha pressão e resolveu fazer uma caminhada. Suar, movimentar, seria o melhor remédio. E lá foi ela!
Na volta, depois de ter suado suas culpas e bufado seus remorsos, ela ouve um "gostosa" de um transeunte qualquer. Aquele sim, era um sujeito inteligente. Deve ser um executivo. Não, um empresário bem sucedido! Enfim, não interessa. Ficou tão feliz que resolveu comemorar. Pediu um chope e bolinhos. Começava assim outro triângulo amoroso...

Leila Rodrigues

quarta-feira, 16 de março de 2011

O quadrado

Todos os dias ele gostava de ficar naquela varanda. Quem passasse pela rua naquele costumeiro horário, já vinha sabendo que ele estaria ali, sentado, observando o movimento. No segundo andar daquela casa simples, perdida no meio de um monte de prédios, ele se ajeita toda tarde naquele quadrado de um metro e meio para ver a vida passar. E eu senti uma curiosidade gigante em conhecer aquele senhor, em saber que graça teria ficar todo dia ali naquela varanda. Eu quis saber um pouco mais sobre... E foi aí que ele me falou:
- Ah! Meu pequeno mundo! Daqui eu vejo tudo, eu sei de tudo. Eu me encanto e desencanto. Esse quadrado é a melhor parte do meu dia.
Daqui, desse meu quadrado lúdico, eu vejo a vida acontecendo no vai e vem das pessoas. Pelos seus passos, pelas suas horas e pelos seus olhares eu enxergo o que nem eles mesmos vêem, porque a pressa não lhes permite.
Posso ver os decotes das moças e seus peitos ávidos pra pular fora das roupas. Quer satisfação maior que essa? Aqueles peitos sorriem para mim todos os dias. Eu sinto daqui a tristeza deles quando não podem me ver. Peitos femininos amam o olhar de um homem e isso eu ainda posso oferecer.
Vejo as mulheres carregando seus filhos, algumas orgulhosas e carinhosamente; outras tristonhas e desesperadamente. Daqui da minha janela, eu sei que o grande peso não vem dos filhos, mas das escolhas erradas de outrora.
Eu vejo os cansaços do dia de trabalho, o ombro curvado do peso da responsabilidade que as pessoas carregam. Tem ainda aqueles que pisam firmes, geralmente sisudos, desconfiados e sempre apressados. É! Conseguir o quadrado maior e mais bem posicionado dá muito trabalho. Pena que a felicidade nem sempre segue esta mesma proporção.
Sabe filha, eu agradeço todos os dias por essa varanda. Eu troquei um quadrado que tem lá na sala por este aqui. Emoções pagas pela audiência. Falso demais. Aqui, tudo é de verdade, é real. Posso sentir que o amor ainda existe ao ver um casal unido ou me emocionar com as pessoas superando seus limites. Posso comprovar como o tempo passa para todos, posso me divertir com o riso fresco dos jovens e ainda sorrir com as travessuras dos meninos.
Se eu acho que isso é falta de vida? Claro que não! Isso aqui é uma grande escola. Eu já vivi em quadrados melhores e muito maiores, gastei e me desgastei muito para consegui-los. Grande ilusão! Quanto mais o tempo avança, mais nossos quadrados reduzem. E se o final de todos nós será num quadrado mínimo, isso não me incomoda mais. Eu resolvi fazer desses meus momentos de quadrado, os melhores!

Leila Rodrigues

sábado, 12 de março de 2011

Quando você se foi

O que é a dor da perda? 
Um buraco no peito, um vazio na sala
O cheiro sem corpo no ar
Um filho, um pai, um amor
Um cão, um amigo, um irmão
A dor independe do laço
O desejo do abraço 
Se perde no espaço...

Quando você se foi..

Que vazio é este que se fez em mim?
Desde que você cruzou aquela porta afora, 
parece que a minha vida se foi com você.
Cade aquele tanto de vida que eu tinha pra viver?
Cade a minha correria?
Cade o meu dia-a-dia?

Não sei onde estão meus atos, 
meus fatos,
meus pertences de fato.

Que poder é esse o seu
que levou consigo a minha fome, 
o meu sono,
a minha sede? 

E agora eu fico aqui, 
achando os dias imensos,
os frios intensos,
as noites sem fim.

Insisto em te buscar
meu silêncio  te grita
Que graça tem voltar à vida
se você não está mais lá?

Que vazio é esse, que se fez aqui?
Estou mais em você
Do que em mim

Vamos mudar de rumo
Você segue, eu fico aqui 
Te liberto pro caminho
E volto de volta pra mim...

Leila Rodrigues

E por falar em loucos

A convivência com o outro (seja nas relações afetivas ou de trabalho) faz com que as pessoas conheçam o seu melhor e o seu pior, seus defeitos e suas qualidades. Isso acontece com as duas partes e provoca um pavor quando um dos lados percebe que foi descoberto. O ser humano, diante da proximidade do outro, tende a gastar muito tempo e energia procurando camuflar seus possíveis defeitos ou dificuldades. É como se tivéssemos uma grande necessidade da perfeição e em decorrência disso, o erro precisa ser escondido, precisa ser mascarado, camuflado ou desviado para alguém. Para atingir esse objetivo de esconder seus medos, suas neuras e dificuldades, cada um usa de uma forma, é um vale tudo! Seja  em pequenos problemas ou em dificuldades sérias; impasses, discussões, negociações ou em coisas mínimas do dia-a-dia, não importa o tamanho da batalha, o ser humano é o mestre do subterfúgio. 
Uns se fazem de vítima, choram, sofrem, se intimidam. São os coitados de plantão. Eternos doentes, sofridos e abandonados. Ate quando o cachorro dele foge, ele diz que foi abandonado. Se você ameaça contar que fez um exame, ele responde contando a cirurgia que fez há dez anos atras.
Outros são dramáticos, verdadeiros artistas. Fazem shows de alegria, de tristeza, de euforia ou de histeria mesmo, tudo isso para conseguirem seus objetivos. São geralmente falantes, tem grande dificuldade de ouvir o outro, mesmo porque, para esses, o outro pouco interessa. 
Há ainda os explosivos, aqueles que andam com uma bomba amarrada no corpo o tempo todo. Não podem nunca ser questionados, cutucados,  cobrados ou ameaçados. A resposta dele será acender o fósforo e queimar todo mundo a sua volta. Coitado! Adora ver o fogo bem alto e a reação de medo dos outros mediante a loucura dele. Geralmente gosta, sabe e usa gritar. Falam bem alto, que é pra todo mundo ouvir e já ficar apavorado de início. 
São as armas de cada um na batalha da vida. É preciso vencer simplesmente pelo prazer de vencer, mesmo quando não se tem razão. 
Mas o que nos salva, é que no meio desse tanto de loucos, ainda tem um outro, não menos louco, que se atreve a não ter vergonha de mostrar quem é. Ele sabe dos seus erros, das suas dificuldades, mas também conhece bem suas competências e qualidades. E mediante às pressões que a convivência nos impõe, ele se apresenta desarmado de modelos, mas munido de atitude. Chega disposto a ouvir, mas faz questão de também falar. Ele sabe bater, mas compreende a hora de apanhar. E embora ele também saiba chorar, representar ou gritar, ele prefere um caminho mais econômico, dialogar. Nem sempre ele vence, mas ele sempre conquista. 
Por quê chamei ele de louco? Ah! Porque só um louco se atreve a enfrentar um outro louco. Ou você acha que isso não é uma loucura?

Leila Rodrigues

quinta-feira, 3 de março de 2011

Para os meus loucos amigos

Abençoados são os loucos, de pedra, de barro, de louça. Porque podem se quebrar, e nos pedaços se descobrem de novo.
Abençoados são os loucos, porque permitem se jogar, e quando se jogam sacodem o mundo à sua volta. E nas sacudidas se desprendem. E desprendidos se juntam de novo, em combinações que nunca antes existiram.
Abençoados são os loucos que choram, que riem, que cantam, sem medo dos ecos, do volume ou do tom, sem medo das respostas que do mundo virão.
Abençoados são os loucos que vomitam seus incômodos, feito bêbados na rua; bebendo a dor da vergonha em prol do estomago limpo.
Abençoados são os loucos, que pensam o que ninguém pensou , que sonham o que ninguém sonhou, que fazem o que ninguém ousou fazer.
É por seus sonhos que o mundo cresce, é nos seus atos que o novo acontece e é no riso desprendido dos seus olhos que a criança que vive em mim se fortalece.

Leila Rodrigues

Enquanto

Ele busca o carro, ela paga as contas
Ele assiste filme, ela rega as plantas
Ela arruma os livros, ele lê jornal
Ele é bossa nova, ela é carnaval

Ele escolhe o vinho, ela faz a massa
Ele arruma a mesa, ela põe as taças
Ela pede colo, ele estende os braços
Ele é terra firme, ela céu e espaços

Ele conta um filme, ela finge entendê-lo
Ele encarna o macho, ela solta o cabelo
Ela beija sua boca, ele avança seu mar
Ele pensa em sexo, ela em dialogar

E o mundo segue igual, e os dois seguem juntos
Separados na praticidade do dia
Unidos no silêncio das almas
Não é o corpo que define a companhia
Não é o tempo que dita a intensidade
Quem pode dizer que isso não é amor?
Quem pode dizer o que isso não é?

Leila Rodrigues