Coragem
Lá fora a água caía como se o céu
tivesse querendo lavar a terra. Pela vidraça ela via o sacudir das
árvores. Seus olhos divididos vigiavam o telefone e a chuva. Para quem
tinha esperado até aqui, um pouco mais não faria diferença. Ainda assim,
não conseguiu conter o ímpeto de roer as unhas. Andava de um lado para o
outro a espera da hora . Toca o telefone. Embora a espera toda fosse por causa deste, se assustou do mesmo jeito. Deu um salto e agarrou o aparelho:
- Oi!
- Oi!
- E aí? Decidiu?
- Sim.
- E...?
- A minha resposta é sim.
- Jura?! Você tem certeza?
- Sim, juro, tenho certeza!
- Mas, e os outros? E o que vão dizer?
- Não me importa mais. Já tomei a minha decisão.
- Mas...
- Não há mais nenhum mas que me faça mudar de idéia.
- Nossa! Eu confesso que estou surpreso com a sua certeza.
-
Não fique. O que você está vendo hoje, não começou hoje, mas sim no dia
em que eu decidi dar um novo rumo à minha vida. Não tem nada a ver com
você, tem a ver comigo.
- Entendi... E quando será?
- Agora.
- Agora? Mas tá chovendo!
- Não tem problema, nunca brinquei na chuva mesmo!
- Então boa sorte!
- Estou indo. Tchau
Desligou o telefone, olhou-se no espelho, sorriu para si mesma e foi.
Naquele
dia ela deixou-se molhar. Olhou para o céu e enxergou os pingos da
chuva vindo em sua direção. Abriu a boca e bebeu os pingos. Não correu,
não se esquivou, apenas ficou ali, deixando a chuva enxarcar suas
roupas, seus cabelos, seu corpo. Deixou-se lavar.
A roupa
colou no corpo mostrando as curvas da sua cintura. A blusa colou nos
seios mostrando os bicos arrepiados. E ela, inebriada pelo balé da água e
do vento, tocou o rosto molhado e provou de si mesma.
E
assim atravessou o grande jardim. Completamente molhada, caminhou para o
futuro que a esperava do lado de fora daqueles portões. Olhou para traz
pela última vez, virou a esquina e foi viver.
Leila Rodrigues