Você tinha os
cabelos encaracolados e a minha mãe sempre dizia que isso não era um bom sinal.
Eu tinha um cabelo de franja e gostava de cantar. Foi um tempo de sonhos
simples e puros. Quando tudo que eu queria era dançar no grupo Corpo enquanto
você sonhava em ter todos os discos do Pink Floid. Ainda podíamos fazer poesia
e deixar dentro do caderno para que o outro lesse na manhã seguinte. E quantas
vezes eu fiquei agarrada a você ouvindo Save a Prayer e mirando seus olhos
verdes. Talvez querendo que o mundo acabasse ali mesmo para que eu continuasse
eternamente sua e você eternamente meu.
Durou pouco! Durou
pouco a música. Durou pouco a febre que movia nossos braços rápidos de desejo.
Durou pouco o tempo de nossa juventude. Tão pouco que eu não consigo me lembrar
das tantas noites lindas que tivemos. Só me lembro do seu violão parado em um
canto enquanto você dançava comigo no meio da sala sem móveis, da república
onde você morava. Era Duran Duran. Era Save a Prayer. E eu era apenas uma
menina apaixonada pelo moço de olhos verdes.
O tempo levou nossas
folhas e nos outonos que se seguiram não houve mais tempo para a paixão. O
ônibus lotado não comportava corações transbordantes. Era preciso deixar o
coração em casa e sair apenas com a razão. A vontade de chegar a algum lugar
era bem maior que a sede dos meus hormônios tímidos. Entre soluços e provas de
português logo aprendi que os príncipes não viriam me buscar para o baile. Nem
para o baile nem para lugar nenhum. E que, se eu quisesse mesmo chegar a algum
lugar, eu que tratasse de dar meu jeito e chegar lá.
E assim como muitas
meninas de ontem que queriam algo mais além de um sobrenome novo, eu fui. E
cheguei lá e depois acolá. Até não enxergar mais o caminho de volta. E você
enxergou novos encantos em velhas amigas. E construiu seu mundo sem lembrar-se
do nosso sonho de morar em Itaparica e ter três filhos. Eu me apaixonei outras
vezes e numa dessas decidi criar meu ninho e dar sentido à minha existência.
Hoje vi você
passando com a família. Não era você. Não aquele que eu conheci. Mas quem te
viu também não era eu e sim aquela menina de tempos atrás. Um minuto de
lembrança, eu confesso. Já passou! Dizer que dentro de mim não há exatamente
nada daquela menina talvez seja mesmo verdade. O que não muda morre. E nós
optamos por mudar. Mas para não dizer que o tempo leva tudo, sempre que ouço
Save a Prayer, imagino que estou dançando em alguma casa antiga da Rua Luis
Delfino, 931.
Leila
Rodrigues
Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 07/04/2015
Imagem: Lídia Brondi ( a musa de tantos jovens dos anos 80)
Deixo aqui um clipe da Música Save a Prayer – Duran Duran que
sugiro ouvirem enquanto lêem esta crônica.
O tempo registra em nós lembranças eternas... Somos felizes por darmos esse espaço precioso para enfrentarmos a realidade de hoje, nos sonhos de ontem!
ResponderExcluirLinda música!
Abraço.
Lindo texto, cheio de lembranças e emoções! Hoje tudo muda no tempo de um clica, antes pelo menos existiam.os relicários, hoje a linha do tempo... Parabéns para sensibilidade! Bjs.
ResponderExcluirLindooo ❤
ResponderExcluirLindooo ❤
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