Madalena, minha irmã mais velha, me disse que isso é princípio de
toc. Antônio de Castro, aquele senhor que mora no apartamento de cima, me viu
fechando as janelas e disse que isso é idade. Nem sei por que ele disse isso,
ele nem sabe a minha idade. Mas tudo bem, ouvi calada e respondi fechando a
janela. E Pedro, meu sobrinho de nove anos, deu-me um xeque mate: “Tia, por que o vento te incomoda tanto?” Eu
fingi que não ouvi , mas a verdade é que
eu não soube responder.
Com o tempo a gente acumula incômodos, a verdade é bem essa! Eu já tive uma moto. Era vermelha, DT180. E
gostava de sair engolindo o vento pela estrada. De Arcos a Pains pela estrada
de chão, tinha um cenário de pedras maravilhoso. E todo sábado eu fazia aquele
percurso de moto. Comia o vento feliz! E agora fiquei assim, ranzinza com o
vento. Coitado! Tem culpa de nada não! Eu é que criei este ranço. Não uso mais
decote, nunca mais subi em moto e culpo o vento pela minha dureza. Dou a
desculpa que decote esfria as costas e faz gripar. E que moto mata. Mas eu nem
morri!
Em que curva do tempo eu mudei tanto assim? Será que foi quando eu
perdi Francisco. Ventava muito naquele dia, mas não foi o vento que o levou. Ou
quem sabe tenha sido quando eu me mudei para Viçosa? Quando eu aprendi que a
minha mãe não seria eterna. Talvez não tenha um dia certo, mas as doses diárias
de labuta, essas sim, me endureceram aos poucos.
Então nesta manhã eu vi as árvores ofegantes, se contorcendo com o
vento e amarelando o chão de flores. Fiquei com inveja e abri a janela. Abri
aos pouquinhos, com medo de gripar. Que ninguém tenha me visto naquela hora.
Mas o fato é que abri e deixei o vento entrar. O vento trouxe o som da rua e encheu meu
silencio de ar. Sai de casa mais cedo, deixei o vento me tocar. Vento bagunça
cabelo. Deixei o meu bagunçar. Vento esfria o café. Deixei o meu esfriar. Hoje
eu vou deixar o vento fazer anarquia, vou pisar nas folhas caídas, vou sentir
minha saia voar. Quem sabe amanhã eu volto para arrumar?
Leila Rodrigues
Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 23/09/2014
Imagem da Internet
Olá, querida
ResponderExcluirMuito bonito o conto e o final dele mais ainda...
Abrir janelas e viver mais alegremente faz bem à alma...
Bjm fraterno
Leilamiga
ResponderExcluirO vento é um bom tema para se escrever a respeito dele - e tu, uma vez mais, dás-nos a conhecer uma multiplicidade de tons, sons, sentidos, sentimentos enfim.
Como acontece quase sempre, gostei.
Qjs
O vento foi o mote para esse desfolhar de lembranças.
ResponderExcluirA vida passa, quase, como o vento.
Leila, que lindas palavras!
ResponderExcluirE não é que, se não cuidamos, vamos ficando assim, duros, amargos,ranzinzas com algumas coisas? Seu personagem encucou com o vento do outono, mas há quem ponha as culpas dos dissabores da vida na chuva, no sol inclemente... A verdade é que sair ao vento, depois de tudo, é sim uma delícia!
Adorei, adorei! Beijos, ótimo domingo de eleições.
Beleza te ler,Leila! Sempre aprendo um pouco mais ao sair daqui! Valeu! bjs, chica
ResponderExcluirOlá, Leila.
ResponderExcluir"Em que curva do tempo eu mudei tanto assim"? Vamos mudando sem nem perceber. Vamos sendo levados pelos ventos da vida e quando nos damos conta, aqui ou ali já somos outros.
Um abração.
O vento trás sempre consigo uma melodia que nos arrebata e envolve com o seu fascinio!...
ResponderExcluirBeijo,
AL