Todo dia aquela mesa estava ali, estática, paralisada, amortecida. Todos passavam para lá e para cá e a coitada continuava ali. De vez em quando alguém colocava um papel por alguns minutos enquanto tomava uma água ou falava com alguém, outros se encostavam nela enquanto esclareciam um problema qualquer com um dos colegas. Ninguém sabia nem a cor daquela mesa, também, com aquele forro pardo e um plástico por cima, a coitada não tinha identidade. Não havia bancos ao seu redor que era para não ter perigo de alguém sentar para tomar um cafezinho e demorar. Eu de vez em quando me questionara se aquela mesa não seria um patrimônio dos primeiros moradores da casa que foram embora e não tiveram coragem de levar a mesa, tal a sua falta de expressividade. Cheguei a imaginar, no auge dos meus devaneios, o quanto a pobrezinha deve ter sofrido. Ser abandonada pelos próprios donos, que triste fim, ou melhor, que triste continuidade, já que a coitada ainda estava ali e em boas condições de uso. Era uma mesa numa sala quase vazia. Ou seria uma mesa vazia numa quase sala? Não sei.
Naquela segunda eu cheguei ávida por um café e quando entrei na copa, levei um susto. O que foi que aconteceu com a mesa????
- Dorotéiaaaaa!!!!! (a nossa copeira), o que foi que fizeram com a mesa?
- Sei não senhora dona Luiza. Cheguei aqui hoje as 06:00 da manhã e ela já não estava mais aqui. Graças a Deus, menos uma coisa para limpar.
- Perguntei pro Julinho, pro Fernando (que são da administração e sempre sabem o fim de tudo), mas nada, ninguém sabia.
Bom, no primeiro dia todos comentaram da “coitada”. Até aqueles que nunca nem olharam pro lado da fadada, porque nunca entram na copa, foram até lá para saber como ficou a sala sem a “dita cuja”. Parecia morte de ex-celebridade, todo mundo tem um comentário a fazer do defunto. Não faltam elogios, nem difamações...
No segundo dia acho que só eu me lembrei da mesa. Tudo seguiu igual...
No terceiro dia chegaram três mesinhas novas, aquelas bem fraquinhas, feitas para uma pessoa só, que durariam coisa de dois anos, no máximo. O escritório estava crescendo, a copa viraria mais uma sala para a equipe de RH que não tinha lugar pra ir...
E os dias se passaram... E como qualquer outro escritório em qualquer lugar do mundo, fomos todos pra casa do Edgar tomar uma cervejinha depois do expediente. Edgar estava de casa nova, tinha acabado de assumir seu namoro com o Jonas e resolveu ter seu próprio canto. Edgar é daquelas pessoas que vê beleza em tudo, tem um olho clínico. Basta ele ajeitar a gola da minha camisa e eu tenho certeza que fiquei dez vezes melhor. Poucos homens nascem com este dom.
Então, eis que cheguei na casa do Edgar para a nossa cerveja e a minha primeira surpresa foi então: a mesa!
Me emocionei! Juro! Fiquei uns quinze minutos ali diante dela. Eu a reconheci pelos pés, aliás eu achava que eu era a única pessoa que conhecia aqueles pés. Me enganei, o Edgar também.
Pasmem! Ela estava lá, num canto, linda! Cheia de apetrechos, livros, flores, abajur, tudo de bacana. Debaixo dela, caixas, malas antigas e um vaso. Acima dela descia do teto uma luminária que deixava tudo dourado... um luxo.
Vou confessar, quis ser aquela mesa. Fiquei um tempo ali, contemplando aquele canto lindo e conversando com a mesa.
- Que bom te ver aqui e te ver assim tão bela, tão cult, tão imponente. Para você que soube, calma e tranquilamente, esperar o seu dia de brilhar eu ofereço o meu sorriso e a minha admiração. E espero, sinceramente, que eu consiga dar na minha vida a mesma guinada que o Edgar deu na sua.
Leila Rodrigues
É importante ficarmos sempre alertas as "mesas" próximas de nós. Nem todos tem a sensibilidade de enxergar a beleza da alma humana.
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