domingo, 14 de abril de 2013

Só acontece no jardim






Cravo e Rosa não conseguiam se entender. E para piorar, mal conseguiam começar uma discussão. Nunca chegavam a um denominador comum. Muito discretamente começaram a evitar um ao outro. A coisa era tão sutil que parecia natural. Quando um florescia, o outro se recolhia. 

E assim se passaram muitos dias. Os dois sabiam que aquele fuso horário era uma maneira de adiar a conversa que tanto precisavam, mas como as últimas conversas não terminaram em consenso, a fuga era automaticamente a melhor opção.

Rosa sentia falta dele, mas escondia a saudade entre as pétalas e floria para todos que passassem pelo jardim, afinal esse era o seu objetivo na vida. Tinha momentos difíceis, vontade de chorar, mas engolia o choro e exalava seu perfume, afinal, uma espécie feminina precisa se valorizar, precisa ocupar o seu lugar no jardim independentemente dos seus relacionamentos.

Houve uma oportunidade e Rosa foi convidada a participar de uma exposição de flores. Suas pétalas coloriram de alegria! Conhecer uma infinidade de espécies, cores e perfumes variados, que experiência incrível! Partiu Rosa feliz para a grande festa!

Cravo também sentia falta dela. Do seu frescor, do seu perfume e da sua força. Mas como macho que sempre fora, não poderia se curvar a uma fêmea. Não suportava vê-la tão linda, tão exuberante e perfumada agora no meio de uma multidão de outras espécies. Sobrara sozinho no jardim. Mas Margarida estava lá, sorridente no meio das amigas, à procura de alguém que pudesse se encantar pela sua singeleza e frescor. Margarida era delicada, companheira e frágil. Certamente saberia valorizar a sua lealdade e a sua proteção. 

Quando Rosa voltou, voltou com ela a vontade de rever Cravo. A viagem havia lhe feito muito bem. Conhecer novas espécies foi ótimo. Porém, só serviu para reforçar o seu amor por Cravo, aquele jovem imponente que ela conhecera um dia, na curva do jardim onde morava. 

Mas já era tarde demais. Cravo já havia se entendido com Margarida e pensavam até nos descendentes. Quanta dor! Quantas lágrimas! Rosa deixou-se abater pela tristeza e permitiu que suas pétalas se fossem uma a uma, até que suas sementes o vento e os pássaros se encarregassem de transportar.

Voltaria a viver em outros jardins, em outras terras. Mas ainda assim, para nunca mais ter que suportar a dor de ver Cravo, Margarida e um canteiro de cravinas juntas; ela se revestiu de coragem e permitiu-se renovar completamente. 

E para encanto dos boêmios, dos insones, dos vagalumes e urutaus, nascia a Dama da noite.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 19/03/2013
Imagens do blog: luciahiguchi.blogspot.com.br

7 comentários:

  1. BOA NOITE MINHA AMIGA FIDALGA !!!!!!
    LENDO SUA CRÔNICA ME VEIO A LEMBRANÇA DE UM POEMA QUE FIZ PARA UM AMIGO ALGUM TEMPO ATRÁS ,DEIXO AQUI PRA VC ...
    BJS E TENHA UMA LINDA SEMANA ...


    DOR DO CRAVO !

    Pensei no cravo
    que logo adoeceu
    suas pétalas e sépalas
    com pecados meus

    Pensei no homem
    que um dia
    me deu um cravo branco
    dos pecados meus

    Pensei no pecado
    que o cravo esqueceu
    deixando-me o homem
    sem pecados meus

    (Severa Cabral)escritora

    ResponderExcluir
  2. Que coisa mais linda te ler. Sempre bem inspirada, um encanto. Lindo, adorei passar aqui! beijos,ótima semana,chica

    ResponderExcluir
  3. Boa noite, Leila. Lindíssima a sua crônica, inspirada e com metáforas perfeitas.
    Amo o seu jeito de escrever, o seu talento.
    Quando não valorizamos a pessoa amada, ou vivemos em conflitos, que geralmente começam por bobagem e são bobagens, perdemos os mais belos aromas do amor e ficamos depois a sofrer, a nos entregar, até que um dia precisamos nos reerguer, mas sem esquecer do acontecido.
    Parabéns!
    Tenha uma semana de paz!
    Beijos na alma e fique com Deus.

    ResponderExcluir
  4. Olá Leila, e que tudo esteja bem contigo!

    Sentimentos quando não são declarados na ocasião, são perdidos por substituição, triste, mas, sempre acontece!
    Encantador este teu escrito, com palavras tão bem elaboradas em belas metáforas, é, deveras agradável de ler e reler, parabéns pela escrito, pelo espaço e por compartilhar teus belos pensamentos!
    Agradeço pela amizade e pelas visitas e comentários, assim deixo cá meu desejo para que teu viver seja sempre de felicidade intensa, um grande abraço e, até mais!

    ResponderExcluir
  5. Gostei muito.
    Me fez refletir como nossos relacionamentos são frágeis e como é fácil perder quem se ama....

    Parabéns.

    ResponderExcluir
  6. Nossa! Que lindo, Leila!
    E quantas vezes na vida não temos que nos recompor, heim? Procurarmos em outro cenário, outro jardim para seguirmos, simplesmente continuarmos nossa viagem? E que seja, pois, com muito amor, se não for com o cravo, que seja com o jasmim, ou com qualquer outro que nos respeite, e nos sintamos ser flor de nós mesmas.

    Parabéns!

    Obrigada por compartilhar no faceb. o meu texto.

    Beijos e ótimos dias!

    ResponderExcluir
  7. A construção perfeita e linda, que nos remete a toda historia destas duas espécies, com um final fantástico amiga.
    Aplausos pela criatividade.
    Meu terno abraço.
    Adorei fazer uma viagem pelo blog.

    ResponderExcluir

Obrigada pela visita. É muito bom ter você por aqui!
Fique à vontade para deixar o seu recado.
Volte sempre que quiser.
Grande abraço