quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Inveja do bem




Ultimamente inventaram essa tal inveja branca ou inveja do bem. Achei interessante e hoje vou confessar a minha. Sim, porque todos nós temos algo que gostaríamos de ser ou de ter feito e não conseguimos.  E quando identificamos alguém que o faz muito bem, fica aquele resquício de admiração e vontade que chamamos de inveja branca.
Eu tenho a minha. Eu invejo pessoas, principalmente mulheres que nunca tem preguiça. Acho lindo! Mulheres que acordam cedo até no final de semana, nunca faltam à academia, nunca quebram a dieta, passam cremes antes de dormir toda noite e sempre se lembram de tomar 3 litros de água por dia.
Elas são fantásticas! Inspiração  e incentivo para todas nós mortais. Elas não têm frizz no cabelo, não tem espinhas indesejáveis e estão sempre prontas para um happy our. Sem falar no guarda-roupa, organizado de segunda a segunda.  Ah como eu invejo essas mulheres! Já tive tanta vontade de ser assim que um dia experimentei. E consegui! Mas, pobre mortal que sou não fui capaz de continuar.
Agora falo com conhecimento de causa. Eu tentei e além de não conseguir, não achei a menor graça. Quis voltar para a minha desordem. Senti saudade da minha preguiça, do meu canal de música na TV, do meu jogo de paciência e da minha camiseta velha e surrada.
É muito bom se cuidar. Ficar linda, se produzir e fazer o que é certo na hora certa. Principalmente quando o fazemos por nós mesmas. Todas nós gostaríamos de dar conta de tudo e continuarmos impecáveis. Mas no meio do caminho tem pedras. Tem pedras, tem pessoas, tem prioridades, tem responsabilidades, tem amigos, tem escolhas,  enfim, tem vida! E vida não se deixa para depois!
Eu ainda não desisti de ser uma pessoa mais organizada, mas optei por seguir este caminho meio torto, onde tento equilibrar responsabilidades e felicidades. E assim sou mais feliz. Porque essa sou eu, esta é a minha essência. A perfeição nunca me atraiu mesmo! Aliás, ser perfeita deve ser uma chatice só. Nenhuma unha quebrada de vez em quando, nenhuma palavra errada, nenhum vacilo no trânsito, graça nenhuma então.
São verdadeiras maestras e eu continuo admirando a determinação e disciplina que elas possuem. Mulheres para comercial de perfume nenhum botar defeito, não fosse a inveja danada que elas também têm de nós, das nossas gargalhadas e do nosso jeito desarmado de ser.


Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 14/01/2014
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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Até que a vida nos separe





E foram felizes para sempre... Seria lindo, não fosse o fato de que, na vida, pode ser que o "para sempre" tenha hora para acabar. Prazo de validade implícito. Acordos feitos na ilusão dos holofotes que se perderam na calada dos dias frios e comuns.
Então, para não correr mais o risco de me riscar toda como já fiz, vou acertar algumas arestas comigo, enquanto ainda estou no "feliz agora e por nada" como nos diz Martha Medeiros:
Eu sei que daqui a pouco você vai aparecer na minha vida. Por isso mesmo e antes mesmo que você chegue eu preciso acertar algumas coisas com você e claro, comigo. É que já passaram tantos, e por falta de um acordo racional, nos perdemos na ilusão e deu tudo errado.  Então, para não correr o risco de ser tudo em vão, vamos fazer um trato.
Primeiramente vamos trocar o “prometa” pelo “comprometa”. Eu me comprometo e você se compromete, sem promessas, sem cobranças no final.
Se comprometa que “até que a morte nos separe” seja até que a vida separe nossos interesses, nossos objetivos, nossos planos juntos?  E eu me comprometo que “eterno” será enquanto houver brilho nos seus olhos e no meu.
Se comprometa que na saúde, na doença, na pobreza e na riqueza sejam apenas situações que permearão nossas vidas e não nossos sentimentos?  E eu me comprometo que na riqueza ou na pobreza, na saúde e na doença significará também quando o cartão de crédito estourar, quando um de nós dois for demitido ou quando nosso filho adoecer e precisarmos vender a casa para pagar o tratamento.
Se comprometa que “ser fiel” é ter respeito pela pessoa humana que te acompanha, respeito às suas escolhas, ao seu jeito à sua forma de ver o mundo. E eu me comprometo a retribuí-lo com a mesma fidelidade e respeito.
Se comprometa que a cada café da manhã apressado que tomarmos juntos você não vai reparar que a minha pele não será a mesma de ontem? E eu me comprometo que haverá sempre uma surpresa, um mistério, um novo e desafiador encanto.
Se comprometa a ser feliz e a jamais parar de lutar por isso. Se comprometa de que a sua felicidade dependerá de você e não de mim. E eu me comprometo a ser a pessoa mais feliz do mundo, por ter escolhido ser eu mesma e por ter você comigo!
E se a morte ou a sorte nos separar, que nós possamos dizer tranquilos que “foi eterno enquanto durou”.


Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 14/01/2014
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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Para começar vazio





Depois de dias comendo e bebendo as festas do final de ano, o cansaço era visível. Um dia na casa da mãe, o outro na casa da sogra, depois na casa de fulanos, ciclanos  e adjacências. Abraços, comemorações, confraternizações. Momentos especiais e importantes na vida de todos nós. Acho que são tão bons por que são raros rápidos e intensos.
Mas a manhã seguinte é cruel. O dia comum nos espera como um general a postos na porta do quarto. Tudo tem que continuar. Hora de voltar para casa. Hora de fazer acontecer.  E como a maioria, eu tinha que voltar para casa.
Abri a porta e tudo estava lá. No seu devido lugar. Apenas a luz estava um pouco melhor. Talvez pela posição do sol. O dia mal começara e, para alegria de todos, tinha sol. Andei pela casa reconhecendo cada canto. Sim, este sempre fora o meu lugar.
Sinais de mim se apresentavam humilde e silenciosamente. Meus chinelos, meu sofá verde perto da janela, meus livros, meu computador, meu fone de ouvido companheiro de caminhada, minha xícara de café. Do lado de fora minha hortênsia azul pedia água, enquanto a azálea exibia seu esplendor. Todos eles pareciam rir para mim.
Toquei lentamente cada um deles. Minha forma de saudá-los. Abri uma a uma as janelas e portas. Deixei o sol entrar.  Abri as cortinas, liguei o som, trouxe de volta o movimento.
Bem baixinho cantarolei todas as músicas do meu vasto repertório enquanto varria cada canto da casa. Limpei, tirei e joguei fora tudo que não tinha mais valor para mim ou não prestava mais. Vasos quebrados, vidros vazios, perfumes velhos, roupas; pertences que já não pertenciam a ninguém. Certamente servirão para outros. Era preciso esvaziar. A sala, o quarto e o meu coração.
Papéis, muitos papéis desnecessários. Contas que já não contavam mais nada. Restos de histórias, pedaços de situações inacabadas, bancos quebrados, roupas que não serviam mais. Para quê manter tudo isso ao meu redor se já não fazem parte de mim?
Cansada, me recostei no sofá e adormeci. Não sei precisar quanto tempo fiquei ali, dormindo o sono dos vazios. Quem dorme vazio, dorme muito mais. E naquela tarde eu tinha me esvaziado por completo.
Uma boa xícara de café, alguns minutos de silêncio e agora sim, eu estou pronta para começar tudo outra vez. Que venha mais um ano, que venha mais um ciclo e que dentro de nós haja espaço para alguma coisa realmente nova acontecer.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 07/01/2014
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