No canto da sala
eles aguardam inertes. Calados, sozinhos. É no canto que colocamos tudo aquilo
que não queremos ou que não queremos que nos incomode. Seja na sala, no quarto
ou na vida. E o que diriam eles, os renegados habitantes desses cantos? Sob um
ângulo completamente oposto ao nosso, eles enxergam tudo. E assistem calados a
nossa pressa de viver. Lá onde as aranhas fazem teia, onde o vento parece não
chegar, lá estão todos eles, parados a nos observar.
No canto estão
os livros que prometemos ler e nunca encontramos tempo. No canto estão as
memórias em fotos amareladas e versos intocados. No canto estão as cômodas e
suas gigantescas gavetas que mais guardam histórias que roupas. A mala
velha, o guarda-chuva, o criado mudo que de tão mudo esconde nossas
memórias. Transformam tudo em segredo!
A velha poltrona
que só serve de enfeite espera alguém com tempo para sentar e ver a vida passar
em silêncio. Mas o silêncio é uma tormenta para quem tem pressa de chegar.
Então ninguém sequer experimenta sentar. É como se fosse pecado parar. E a
poltrona envelhece sozinha sem nenhuma história para contar.
Guarda-chuvas
esperam calados a chuva cair. E ela não cai! Quebrados, perdidos,
enferrujados eles esperam calados o dia em que a chuva encharcar o chão e você
finalmente se lembrará deles. E também se lembrará de que deveria ter
consertado, deveria ter comprado um novo ou deveria ter cuidado antes de tê-lo
deixado no canto da sala.
Mas cantos são
para isso! Para se deixar alguma coisa. E deixamos tantas coisas no
canto! Amigos, parentes, pedaços de nós que não queremos tocar. Todos eles
vão para o canto de nossas vidas e aguardam calados o dia em que a necessidade
chegar. Quando visitaremos sem graça o canto escuro de nossas lembranças.
Pena que algumas
coisas tem prazo de validade implícito, não funcionam mais depois de muito tempo
no canto. E nos pegamos tentando dar corda no relógio que já parou faz tempo.
Tentando achar graça nas notícias do jornal de anos atrás. Tentando recuperar
em minutos, as tantas horas mortas.
E eu que fiquei
tanto tempo no canto de sua vida. Inerte, parada esperando você precisar de
mim. Silenciosamente observei você ir e cada dia mais se distanciar. Nem a
chuva fez você voltar. Até que um dia eu descobri em outros cantos um novo
encanto.
E sabe aquele
velho canto onde você me pôs um dia? Eu não estou mais lá.
Leila Rodrigues
Foto Vinícius Costa
Lindíssimo,Leila!! Que triste se ver em cantos, somente esperando a vida passar...
ResponderExcluirBom quando reacende o encanto pela vida e quem deixa o outro no canto, já não mais encanta... Lindo! beijos,chica
Leilamiga
ResponderExcluirHá cantos e há encantos. E há desencantos.
Se os primeiros servem para colocar aqueles que mais nos querem, mas a quem não queremos mais - é um desencanto.
De resto encantar um canto é muito diferente de um canto encantar. Aqui o canto é harmónico, é musical; no outro canto se pusermos lá aqueles a quem mais queremos e os que nos querem mais é realmente um encanto.
Belíssimo texto, como todos a que já nos habituaste. Obrigado
Qjs
Henrique
JÁ TE SIGO. E COMO AMOR COM AMOR SE PAGA...
Oi, Leila!
ResponderExcluirCantos escondem, ali são colocados, 'depositados' tudo aquilo que não queremos e que um dia pensamos em nos desfazer. Verdade.
Lindo, e o final foi surpreendente...
Beijos, querida!
Minha querida
ResponderExcluirPor vezes esses cantos escondem tantas lembranças e tanta solidão, que temos medo por vezes de espreitar para não acordar os fantasmas que encerram.
Lindo como sempre.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
BOA NOITE AMIGA FIDALGA !
ResponderExcluirSAUDADESSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS
ESSA É A PALAVRA QUE TRAGO NO CORAÇÃO.
ESTOU CHEGANDO DE VEZ PARA ME DELICIAR DE SUAS LINDAS POSTAGENS ...
SEUS TEXTOS É MAIS UM QUE VC DEIXA ESCAPAR SUA INTELIGÊNCIA ...
GRATA PELO CARINHO QUE VC SEMPRE DEIXOU LÁ NO MEU CANTINHO.SEU CARINHO É A EXPRESSÃO DO QUANTO TENS GUARDADO NA ESCRITA ...BJSSSSSSSSSSSSS
Os seus textos continuam verdadeiros ao expressar emoção e delicadeza.
ResponderExcluirReativei o Ver de Vida. Se puder faça uma visita.
Um abraço. Cláudio
www.verevida.blogspot.com.br
Leila querida, tudo bem?
ResponderExcluirMuito bela e intimista a tua prosa!
Pensei nesse canto como o próprio silêncio, que por vezes pode ser um descobrir a nós mesmos, mas também um claustro.
Adoraria tua opinião na minha crônica mais recente, se tiver oportunidade de aparecer por lá.
Grande beijo e ótimos dias!
Olá Leila, e que tudo esteja bem!
ResponderExcluirAtualmente muitas pessoas têm ânsia por novidades a cada novo dia e este é o motivo de mais coisas e pessoas serem esquecidas em um canto!
Um belo e interessante escrito, expressão de uma realidade cada vez mais vivida por nós seres ditos humanos e inteligentes, que penso eu mais sabemos desperdiçar!
A imagem também e deveras linda.
Obrigado por compartilhar, e pelas tuas gentis visitas e comentários também!
E eu grato desejo que tenha sempre em teu viver a felicidade intensa, grande abraço e, até mais!
O canto dum canto que não mais existe.
ResponderExcluirGostei muito!
Bj
Leila,
ResponderExcluirFiquei pensando nas vezes em que visitei, sem graça, os cantos escuros de minhas lembranças... Tantas coisas, tantos sonhos, tantas pessoas aos quais não damos a devida importância! Os anos transcorrem e só então percebemos o vazio causado pela falta de um algo... que ficou lá, jogado num canto qualquer!
Definitivamente, depois deste texto darei mais importância aos 'meus cantos', que guardam tanto segredos quanto tesouros!
Adorei, belíssimas palavras!
Beijos.