sábado, 25 de julho de 2015

Permita-se



Passei a minha vida toda detestando iogurte. E não era uma intolerância, era não gostar mesmo!  Há poucos meses abri a geladeira, escolhi um iogurte e o devorei inteiro. Adorei! E de lá para cá iogurte é parte da minha dieta.
Como explicar que algo que eu passei a vida inteira resistindo agora faz parte da minha rotina? Nem eu sei dizer! Só sei que mudei! E que bom! Mudamos quando nos permitimos mudar. E mudar é a grande graça da vida! 
O problema é que mudar não é tão simples assim! Ninguém muda porque o outro mandou, mesmo porque isso não é mudar, é obedecer. Ninguém muda porque viu na TV, ou porque alguém falou que é bom. Isso pode ser experimentar. Desconsiderando as mudanças que a vida nos impõe sem pedir permissão como perder um emprego, uma pessoa querida, um acidente, mudar é um comando que cada um aciona sozinho. No dia em que bem entende. Minha mãe passou muitos anos tentando me provar que eu estava equivocada sobre o iogurte e eu resisti. Certamente muitas sugestões que recebemos de pessoas que nos cercam estejam corretas, mas a mudança só vai acontecer no dia que cada um decidir mudar. 
Que seja mudar o trajeto, mudar o cabelo, mudar de casa, mudar de cidade, mudar de emprego, mudar os móveis de lugar ou mudar a mobília da alma. Isso só vai fazer efeito se for uma decisão espontânea. 
Fernando Pessoa sabiamente nos diz "Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio. E lembra-te: Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão". 
Mudar é um exercício solitário. Às vezes fruto de longas e silenciosas observações, outras vezes resolvidas de supetão, mas sempre acordadas entre "eu e eu mesmo". Mudamos quando deixamos nossa teimosia de lado e nos permitimos enxergar as opções como verdadeiras possibilidades. Mudamos quando deixamos o outro sugerir sem nos aprisionarmos às sugestões. 
Não adianta marcar a data, escolher o local ou preparar um bota-fora para comemorar a mudança que vamos fazer amanhã em nossas vidas, nada disso vai funcionar! Mudar só será realmente possível quando aquele famoso “der na telha” acertar em cheio a tecla <enter> de nossas cabeças teimosas. É uma simples questão de permissão! Caso contrário, vamos morrer programando mudar sem nunca sair do nosso confortável lugar. 

Leila Rodrigues

Imagem da internet

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 21/07/2015

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Arcos, minha história com você!





Só quem se muda de uma cidade para outra em plena infância vai entender o que se carrega na mudança. Lágrimas, alguns brinquedos, saudade da avó e curiosidade. Foi assim que eu cheguei por aqui. Uma criança curiosa disposta a crescer junto com a cidade. Tudo era novo para mim. Para mim, para a minha família e para as 80 famílias que aqui chegaram na mesma época que nós. Éramos como imigrantes. "Um povo doido que chegou por aqui e sacudiu esta cidade para sempre!" Vindos de Campo Belo como eu, ou Lafaiete, São João Del Rey, Valença, Volta Redonda, enfim... Vindos de algum lugar. Sr. Paulo Marques tinha acabado de assumir a prefeitura e o sangue de crescer corria em suas veias. Sim, eu cresci junto com esta cidade!
Como não aprender com o primeiro amigo do meu pai Sr.Tuta, alguém que sem saber direito quem éramos nos recebeu em sua casa de portas abertas? Antonio Cardoso e Iva, verdadeiros irmãos que meus meus pais têm até hoje. Isso é aprendizado para a vida toda! 
Também cresci sobre as ordens do Sr. Trajano na Escola Berenice, cresci esperando a aula debaixo do Cristo, cresci no caramanchão da praça, nos jogos do poliesportivo ou em cada disputa acirrada do Ypiranga e Associação. Meu pai me ensinou a ser honesta, mas certamente alguns comerciantes como o Zeca, Sr. Lino, Sr. Edinho, Paulo Ribeiro e Chicão, sem perceber me ensinaram como tratar um cliente. Com o Waldo e o Dimas aprendi amar Matemática, com o professor Janer aprendi o segredo do sorriso; com D.Verinha e Dona Lázara descobri o amor pelas palavras e com a meiguice da professora Leninha descobri que ciências não era tão ruim assim.
Com a minha turma do curso de magistério aprendi a minha primeira grande lição de mercado, para quem tem um sonho e disposição nada é impossível! Conseguimos formar e fazer a nossa viagem dos sonhos, a primeira vez que eu vi o mar. Dona Sônia, sou grata por todas as aulas de didática e até hoje coloco em prática muito do que aprendi com você. Minhas queridas amigas do curso de magistério, eu carrego comigo saudade e gratidão pelas lições que passamos juntas.
Se era para dançar, lá estava o Tio Patinhas! Ah como eu dancei naquele lugar! Eu e toda geração dos anos 80 que passou por Arcos. Tom Bege foi um capítulo da minha vida. Um lugar que tinha a nossa cara, o nosso jeito. Como eu ficava à vontade na janela ou na varanda do Tom Bege! Quantos amores não começaram naquela janela? Arcos tinha uma energia tão contagiante que era impossível não se apaixonar por este lugar. Tínhamos show no Poli, baile do Clube, rock na Praça e Donizete Bernardes pra deixar tudo ainda mais encantador. 
Tinha os garotos da Rua Paulo, o murinho do fórum, o cinema na segunda e o imperdível desfile do dia da cidade com a fanfarra do Estadual. Meus primeiros alunos da Escola da Vila, lições trocadas que enriqueceram a minha história. Meu primeiro emprego, Escritório Contábil Arcoense e a grande amiga que continua amiga até hoje. 
Não poderia deixar de falar do Niterói onde eu passei a maior parte da minha vida, onde o frio chega primeiro e a vizinhança era parte da família. Café da tarde no sábado na casa do Sr. Farnese. Tardes riquíssimas de grandes lições que ele nos dava com a sua simplicidade e atenção! Lições de vida, lições de viver!
Hoje quando ouço os Seresteiros de Arcos tocando me emociono. E penso que devo ao meu pai tudo isso. Foi ele que nos trouxe, foi ele quem amou esta cidade antes de nós e nos mostrou que aqui construiríamos nossas vidas. Eu era apenas a Leila do Deco ou a irmã do Dinho, a irmã do Godzilla, a irmã do Marcelo... Mas uma eterna apaixonada por este lugar!  Você pode até achar que a cidade não te influencia, mas eu posso te garantir que foi com esta cidade, que eu aprendi ser quem eu sou. E toda vez que eu cruzar o trevo de Pains e enxergar as primeiras luzes deste lugar, meu coração vai bater feliz por saber que  Arcos está logo ali!


Leila Rodrigues

Foto: Leôncio Alves - facebook.com/leoncio.junioalves
Publicado no Jornal JC - Arcos em 16/07/2015

Certamente muitos nomes importantes dessa história não foram mencionados. não por desmerecerem, mas por não caber em um espaço pequeno para tantos anos de convivência. A todos os meus amigos Arcoenses que participaram comigo desta trajetória, minha gratidão e meu carinho.

domingo, 12 de julho de 2015

Bem-aventurados




Não entenda como atrevimento de minha parte. Não tenho a pretensão de desprestigiar as intocáveis palavras da sagrada escritura. Vivemos um momento de valores distorcidos e esquecidos. O que é certo ou errado depende agora de ponto de vista. Carentes de referências, seguimos às cegas. Onde andam os mestres, os sábios, os que deveriam ser referência para todos nós? Quem são os bem-aventurados do século XXI?
Bem-aventurados os que se aventuram! Os que não suportam o miserável lugar de expectadores e correm o risco de viver. Eles herdam felizes a intensidade de viver e tornam o mundo mais saboroso. Não importa quanto tempo eles vivam, este tempo valerá por uma eternidade.
Bem-aventurados os que nada sabem, os ingênuos de verdade! Os puros e nada ignorantes. Eles são providos de asas e conseguem voar exatamente por acreditarem que voar é possível. Que ninguém lhes roube a alegria de crer no impossível. São eles, esses tolos de hoje, que herdarão todas as possibilidades. 
Bem-aventurados os dispostos. Os que levantam cedo, os disciplinados, os que fazem de verdade! Só por eles temos algum resultado. São eles que concretizam os sonhos e herdarão para sempre o direito de continuarem sonhando. 
Bem-aventurados os interessados. Aqueles que olham em nossos olhos e se dispõem a ouvir de verdade a nossa história. Ouvir e se interessar pelo próximo é hoje a maior virtude do ser humano. Eles herdarão a atenção dos deuses. 
Bem-aventurados os que deram o primeiro passo. Os que pularam no escuro, os que foram, ainda que sozinhos. Por eles nossas tímida intenções encontraram forças  para irmos também  e eles herdarão para sempre a luz que ilumina seus caminhos.
Bem-aventurados os que cantam. Os que cantam, dançam, saltam e se mexem. Por nos tirarem da irritante e confortável preguiça de viver e nos mostrarem o movimento do mundo dentro de nós. Eles herdarão os sons, o ar e as cachoeiras do universo.
Bem-aventurados os mestres. Aqueles que andam entre nós disfarçados de pessoas comuns , mas que carregam em si o grande segredo da vida, a simplicidade. Esses são os verdadeiros mestres e é com eles que aprendemos as maiores e mais importantes lições. Eles já herdaram a sabedoria e só estão entre nós para que possamos evoluir também! 
E por fim, bem-aventurados todos aqueles que sabem fazer silêncio e o fazem toda vez que o pensamento quiser ferir alguém. Esses também já herdaram a evolução humana. Quiçá um dia a gente chegue lá! 


Leila Rodrigues

Imagem da internet
Divulgado no Jornal Agora Divinópolis em 07/07/2015


domingo, 5 de julho de 2015

Entre esquinas




Um dia turbulento é como um furacão invisível. Não há fumaça, não há fogo, mas há destroços. Naquele fim de tarde eu estava destroçado pelo meu dia cruel. Eu precisava de um colo ou de qualquer coisa que pudesse aquecer a frieza da minha alma. Àquela altura, um trago ou um gole de café bem quente era o que eu tinha, embora não resolvesse o meu problema. Sentia a minha nuca pressionar o meu cérebro e sabia exatamente que era a minha pressão subindo a cada minuto. Um homem na minha idade jamais vai assumir que tem medo, mas eu sabia nitidamente o peso das decisões que me aguardavam e os riscos que eu corria.
A rua vai me fazer bem, pensei. Liguei o som bem alto para não ouvir meus pensamentos e comecei a virar esquinas desordenadamente. Eu que sempre tive um destino certo para tudo e para todos, naquele momento não tinha destino algum. Só uma vontade de continuar andando. Esquinas sempre me intrigaram. E o que há depois de cada esquina depende de cada olhar.
Alguns bares começavam seus expedientes enquanto outras tantas pessoas se aglomeravam no ponto de ônibus a espera da “condução”. Eu procurava um rosto conhecido, uma porta aberta ou qualquer coisa que pudesse parar a minha cabeça a mil.
Parei no sinal e vi a moça fazendo malabarismo com alguns tacos. Depois ela cuspiu fogo e saiu correndo entre os carros tentando arrecadar algum dinheiro. No canto da esquina estavam seus pertences. Sua vida provavelmente. Lembrei-me da minha casa de quatro quartos, do apartamento na praia, dos meus dois carros na garagem, da quantidade de ternos no meu armário... Sorri para a moça e torci para que ela me sorrisse de volta. Queria muito conhecer o sorriso de alguém que vive com tão pouco. Não foi difícil. Ela sorriu e me pediu um cigarro. Respondi que não fumo e ela disse "também não, mas levo para o meu marido".
Acelerei o carro e continuei virando esquinas. Parei no primeiro bar e pedi algo líquido. Enquanto eu engolia o líquido âmbar que me queimava a garganta, a minha cabeça disparava um filme onde o protagonista era eu. Parado, imóvel esperando chegar a coragem para prosseguir eu lembrei-me de todas as mulheres que eu tive. Uma por uma. Todas lindas, impecáveis! E acredite, eu amei cada uma delas. Lembrei-me da moça cuspindo fogo e em seguida sorrindo para mim. E eu aqui com medo de correr riscos. Desejei não ter casa, desejei não ter nada. Desejei ter apenas as esquinas e alguém me esperando com alguns cigarros amassados na mão.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 30/06/2015
Imagem da Internet