terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Meia volta volver




A volta para casa sempre foi o meu momento de reflexão. Hora de pensar no amanhã. Naquela manhã de domingo eu trazia comigo muito mais do que levei. Quanto mais a paisagem passava apressada pelo vidro do carro, mais depressa passavam meus pensamentos.
Pensei na minha cidade, na minha rua, no meu portão, no meu cachorro e claro, em você. Será que aguaram as minhas plantas como eu pedi? Será que alguém trocou o meu ventilador? Será que você conseguiu o emprego que você tanto queria? Finalmente eu iria responder todas as minhas perguntas. Inclusive aquelas que eu fiz para mim e não tive coragem de responder.
Na mala, uma lembrança para a minha mãe, um souvenir para provar que eu fui e muitas histórias para contar. Um aprendizado espontâneo que só quem se arrisca a ir é capaz de trazer. Não consta nos livros, nem nas fotos. Um aprendizado vivido e suado. Experimentado! Algo que ninguém jamais vai tirar de mim. E aqui estou eu, de volta para casa! Aparentemente tão igual eu fui, porém completamente tocado pelas experiências de lá.
Viajar é isso! Deixar-se tocar por outras experiências. Nunca voltamos os mesmos que fomos. Voltar é realidade. É permitir que novas perspectivas se misturem ao velho e bom cotidiano e lhe dê novas cores, novos tons.
Naquele instante eu sabia exatamente o que eu teria que enfrentar. Porém desta vez tudo estava mais leve e claro para mim. A solidão da decisão continuava a mesma, mas a minha distância me permitia enxergar tudo sobre outro ângulo. Lembrei-me de Santo Agostinho quando lhe perguntaram qual era a torre mais alta da cidade. E ele tão sabiamente disse que precisaria se retirar da cidade para enxergar a realidade. Assim estava eu. Depois de tanto tempo tentando enxergar a realidade ao me redor, foi na distância que eu consegui ver. Agora chegara a hora de fazer acontecer. Tão simples e ao mesmo tempo tão difícil. O espaço entre a decisão e a ação é muito cruel. Mas sempre chega um momento em que todo o universo conspira a favor e tudo acontece. Acontece como tem que acontecer. Se será bom ou ruim, só o tempo vai nos dizer.
O carro entra na cidade e eu naturalmente sorri de felicidade. Reconheço os lugares, os cheiros, as pessoas. Meu lar, meu ninho, meu porto seguro. Hora de atracar no cais. Se "ir" é para os fortes, voltar é para os dignos. Aqui estou.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 24/02/2015
Foto: http://klictossan.blogspot.com.brum blog incrível – recomendo a visita

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Depois do fim





Ontem pensei em você. Às vezes penso. Acontece. A razão já deu ordem para meu coração não fazer isso, mas meu coração ainda não se acostumou com essa nova realidade. Me pego imaginando o que você estaria fazendo. Será que comeu direito? Que cuidou daquela sua alergia? Que tem ligado para o seu pai? Preocupação besta de quem não aprendeu ainda que tudo mudou. E ainda me pergunto se você sofre com as consequências das suas escolhas. Talvez seja apenas porque dói saber que eu não faço parte delas, ou simplesmente eu queira uma explicação para o que não tem que ser explicado. Egoísmo meu. O meu maior segredo é que aqui na solidão da minha perda, o que eu queria mesmo é que você me dissesse que se arrependeu amargamente e quer voltar atrás e começar tudo de novo. Não vou mentir mas isso acontece sim. Por mais que eu queira ser uma pessoa evoluída e determinada ainda me apego nesta esperança inútil. Eu sei que o tempo já nos modificou. Hoje não somos os mesmos de um minuto atrás.
Muito provavelmente em mim não haja quase nada da pessoa que você deixou. O tempo nos modifica, a dor nos modifica, as lições nos modificam e as novas janelas, Ah essas nos transformam por completo! A gente se transforma aos poucos. Tão sutilmente que nem conseguimos perceber. Como uma torneira pingando no balde. Uma hora ele deixe de ser um balde vazio e vira um balde d'água. Hoje eu sou um balde d'água.
Pronto para desaguar onde houver sede. A teoria diz que depois do fim cada um segue seu rumo. Na prática, quem tomou a iniciativa do fim já tem seu rumo planejado. É ele que vai "se livrar"! O outro, o que recebeu o bilhete premiado do fim, perde o rumo. Eu a princípio perdi o rumo, o prumo e quase todo resto. Mas devagar fui me recompondo. Como um quebra-cabeça desmontado, vamos juntando nossas partes até nos formar de novo. Foi um tempo doído e silenciosamente sofrido como toda dor do amor. Dor que não tem remédio. Sentimento perdido no peito sem lugar para aquietar. Esse é o maior dos desafios. Eu vou continuar aqui na árdua tarefa de acalmar meu coração. Preciso me amar neste momento.
Preciso cuidar de mim, ser gentil comigo e me perdoar a cada momento de recaída. Preciso aceitar que ainda não estou tão pronta assim. Não preciso bater de frente comigo nem me culpar. Apenas entender que ora estarei firme e forte, ora estarei me segurando para não pensar em você, para não sair correndo daqui e bater na sua porta. Porta? Que porta? Não tem porta para mim em você! Com tantas portas no mundo o que eu preciso agora é coragem para descobrir o que há por trás de cada uma. Sem mais fico por aqui.

Leila Rodrigues

Publicado no Jornal Agora Divinópolis em 13/01/2015
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