A cor da moda era marrom. Enquanto eu caminhava pelas ruas cheias de
lojas e as lojas cheias de roupas, a cor marrom ia entrando na minha cabeça e
impregnando minha mente. Até hoje não consigo gostar desta cor. Me assustei com
a quantidade de ofertas. E dada a minha condição de recém-chegada e
descapitalizada eu não podia fazer mais nada a não ser olhar as vitrines.
Foi um ano difícil, de muita solidão, de pouquíssimos conhecidos, de
crise financeira, de saudade de casa. Muitas vezes pensei em parar tudo e
voltar para a minha terra, mas algo me manteve aqui. O primeiro casal de
amigos, que são amigos até hoje, os vizinhos sempre tão atenciosos e
acolhedores. Aos poucos fui descobrindo meus lugares. As praças, principalmente
da Catedral e do Santuário, foram minhas grandes companheiras. Só quem passa
por uma dificuldade financeira consegue entender a importância de uma praça. A
praça não te cobra ingresso nem couver, a praça é de todos e para todos. A
minha distração era encontrar um banco vazio e ali observar as pessoas. Um
laboratório de idéias para qualquer escritor.
Quando eu perdia o sono, a janela era a minha parceira. De lá eu
assistia os bêbados tentando encontrar o caminho de volta para casa, as turmas
contando seus casos pela rua afora às 03:00 da manhã, os desabrigados
procurando seus cantos para passar a noite. Casais apaixonados, outros nem
tanto, rastros das festas da cidade deixados pelos foliões.
Para mim, a ordem era trabalhar. E trabalhar muito. Mostrar para os meus
poucos clientes que eles podiam confiar em mim. E em contrapartida, fazer jus à
confiança em mim depositada. Não existia horário para parar, não existia tarefa
a escolher. Tudo que havia era um próposito a vencer. E em nome dele eu fiz
café, limpei o chão, atendi telefone, anotei recado, vendi, negociei,
entreguei, conheci, aprendi e cresci.
Hoje consigo ver o quão importante foi esta fase. Quanto eu aprendi ao
fazer cada uma daquelas tarefas! Foi ali, na dureza daqueles dias, na
dificuldade daquela situação, que eu me fortaleci, que eu perdi o medo, que eu
descobri a minha capacidade de lutar. Muitas vezes desistimos das lutas sem
sequer termos lutado, desconhecendo assim, nossas reais forças. Desconhecendo o
gigante que existe em nós. Precisei da dificuldade para me experimentar. E foi
me experimentando que eu descobri quem eu era.
Para minha alegria, no ano seguinte a cor marrom já havia sumido das
prateleiras. A cidade se enfeitava de novo de uma nova cor, a espera de todos
os seus fregueses. Vindos de longe, vindos de perto, ou daqui mesmo, lá estavam
eles enchendo nossas ruas e fomentando o crescimento da cidade. Só que, desta
vez, atrás da cor laranja.
Leila Rodrigues
Publicado
no Jornal Agora -Divinópolis MG em 29 de maio de 2012
Foto:
Christian de Lima
Neste primeiro de Junho a cidade de
Divinópolis faz 100 anos. A esta cidade que me acolheu e na qual eu construí a
minha vida, a minha gratidão e o meu carinho. E a todos os amigos que
conquistei aqui, a minha alegria de tê-los em minha vida.